23/02/2016 - 0:00
Imagine que a Volkswagen seja um avião, que os seus carros mais importantes sejam os motores e que os anos sejam os aeroportos. Essa imagem é fácil para entender a viagem que a Volkswagen tem feito no Brasil desde que decolou do “aeroporto” 1957 e como tem se esforçado para chegar com segurança ao “aeroporto” 2018. E mostra o porquê de ter feito um face-lift no Gol – seu carro de maior sucesso nesse longo percurso – a menos de dois anos do lançamento da nova geração. A segunda modificação no atual projeto do Gol foi anunciada ontem à noite, em São Paulo, pelo novo “comandante” David Powels, que assumiu há um ano.
A “aeronave” Volkswagen decolou do “aeroporto” 1957 com dois motores a hélice, como um robusto Douglas DC-3. De um lado, o “motor” Fusca; do outro, o “motor” Kombi. Eles garantiram voos tranquilos e a liderança para a companhia durante mais de duas décadas. Ambos tinham manutenção barata e pouca potência, mas suficiente para o porte do avião. Ao pousar em 1980, a Volks decidiu aposentar o motor Fusca e colocar outro em seu lugar, o Gol (seu “motor” a jato, digamos assim). Então a Volks decidiu trocar o modelo de aeronave. Passou para um Boeing 737, maior, mais rápido, mais seguro (mas também mais pesado). O “avião” Volkswagen passou então a voar com o “motor” Gol de um lado e o “motor” Kombi de outro. Ninguém nunca tinha visto um Boeing voar com um motor a jato de um lado e um motor a hélice do outro – mas funcionava na Volks.
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De vez em quando, um novo comandante chegava da Alemanha e não acreditava no que via. Dizia que ia aposentar o “motor” Kombi. Mas desistia, pois ele era altamente lucrativo, seus investimentos estavam amortizados há décadas. Ocasionalmente, alguns ajustes foram feitos no “motor” Gol. No “aeroporto” 1994 trocaram por um outro, chamado de Gol Bolinha. Mas sua concepção já era meio antiga (era o único que ainda funcionava na posição longitudinal, enquanto seus concorrentes eram transversais para ganhar espaço interno). Com o mercado crescendo, a Volkswagen teve a opção de se apoiar em outros “motores”, mas preferiu apostar em poltronas mais espaçosas (sedã Santana) num compartimento de carga maior (picape Saveiro), em maior requinte interno (modelo Golf) e em outros sistemas de conforto, entretenimento etc. (modelos importados). O avião, claro, ficou maior. O velho Boeing 737 passou a ser um 737 da nova geração, com muito mais capacidade do que o anterior. Os “motores” continuaram sendo a jato de um lado (Gol) e a hélice de outro (Kombi).
Em todos os “aeroportos” da primeira década do século XXI (2001, 2002, 2003 etc.) a Volks ignorou a necessidade de tirar o peso de cima do “motor” Gol, apesar de o “motor” Kombi dar claros sinais de cansaço e sua concepção antiga passar a ser mal vista pelo mercado, por sua falta de segurança, por seus índices de emissão etc. Mesmo assim, empolgada com a globalização da economia, a companhia decidiu aumentar ainda mais a capacidade de sua aeronave: passou a voar com um Boeing 777. Três ou quatro vezes maior do que o 737, mas os “motores” ainda eram os mesmos. Quando pousou no “aeroporto” 2013, o “avião” Volks foi obrigado, por força da legislação, a aposentar o “motor” Kombi e todas as partes antiquadas do “motor” Gol (assim, saiu de cena o Gol G4 e ficou em operação só o Gol G5). O resultado foi que o “motor” Gol perdeu metade de sua potência. Para compensar, finalmente o outro lado do “avião” ganhou um motor a jato, de última geração, leve e eficiente: o Up. Além de substituir o “motor” Kombi, o Up compensaria a perda de potência do “motor” Gol com a saída do G4.
E assim a aeronave com o lindo logotipo VW decolou do “aeroporto” 2014. Seu percurso era longo: ir até “2018”. Mas, ao contrário das previsões, o “motor” Up não teve a mesma potência dos antigos Kombi/G4. Pior: o céu ficou extremamente turbulento e o “motor” Gol perdeu mais 50% de sua potência. Passou a voar com 25% de sua capacidade. David Powels, que estava sentado na primeira classe, foi chamado para assumir o comando da aeronave e deu a ordem:
– Aumentem a potência do “motor” Gol!
– Mas estamos em pleno voo!
– Não interessa! Precisamos melhorar esse “motor”. E também mudar a imagem da companhia.
– Mas em 2018 teremos a nova geração do Gol, com a plataforma MQB, a mesma do Golf, mais eficiente.
– Não pousaremos em 2018 se não arrumarmos o Gol agora!
A ordem de Powels foi cumprida. A Volks mexeu no “motor” Gol em pleno voo enquanto aguarda a nova geração. Com 100,6 mil vendas a menos em apenas um ano, o carro ganhou um face-lift. O trabalho foi bom. Ele agora tem um 3 cilindros 1.0 igual ao do Up. Assim, ficou mais potente, mas econômico e mais ecológico. Também modificou seu interior. Todo o painel foi redesenhado e ele parece até ser de uma categoria superior. Também foi dotado de grande conectividade (embora a maioria seja opcional). Com essas mudanças, o comandante Powels espera pousar em segurança no “aeroporto” 2018.
Ele não cogita reduzir o preço das passagens. Mas já trabalha internamente para mudar os paradigmas internos e para que o avião nunca decole tão pesado e tão dependente de um motor que demorou demais para ser atualizado. Assim, espera que os milhares de passageiros que trocaram de companhia nos últimos aeroportos passem a confiar novamente na Volkswagen. Seu trabalho consiste em convencer os “agentes de viagens” (600 concessionários VW espalhados pelo Brasil) a melhorar o atendimento aos clientes. Talvez dê certo. Afinal, o Gol já passou por muitas turbulências e resistiu. A decisão de ter feito o conserto desse “motor” em pleno voo talvez tenha salvado a bela história do Gol, que ficou 27 anos seguidos na liderança e teve 7,8 milhões de unidades produzidas. Hoje, o “avião” Volkswagen é um Boeing 777 que precisa entregar a “passageiros” cada vez mais exigentes o mesmo conforto, conectividade e serviço de bordo que eles encontram em seus concorrentes. Para isso, é preciso que seus dois “motores”, o Gol e o Up, levam leves, potentes, silenciosos, eficientes, confiáveis e, principalmente, que tenham baixo custo de manutenção.