08/06/2015 - 0:00
Diferentes razões de mercado levaram a Volkswagen a seguir um rumo no Brasil diferente do que teve na Alemanha e nos demais países da Europa. Pelo menos desde 1974, quando o Golf de Giorgetto Giugiaro substituiu o Fusca de Ferdinand Porsche na monumental fábrica de Wolfsburg, na Alemanha, a marca cujo nome original significa “carro do povo” mudou seu conceito de povo. Relegado a fábricas menores na Alemanha até sua descontinuação, em janeiro de 1978, o Fusca preservou a mística da marca em mercados do Terceiro Mundo, graças à grande produção no México (Puebla) e no Brasil (São Bernardo do Campo).
No Brasil, o Fusca resistiu até 1986, mas a Volkswagen já tinha um substituto à sua altura desde 1980. Ele não apenas manteve a marca alemã na liderança do mercado, como ainda foi além: ultrapassou as vendas do Fusca, esticou durante anos o paradigma das duas portas e manteve a chama de “carro do povo” associada a carro barato. Enquanto na Europa a Volkswagen continuou fazendo automóveis populares, mas focados na qualidade superior e, portanto, fora da guerra de preços com a Fiat, no Brasil aconteceu o contrário.
Esse enorme “nariz de cera” (jargão jornalístico que significa uma introdução longa) serve para mostrar como a Volkswagen do Brasil sofre ao conviver com sua “dupla personalidade”, podemos dizer assim. Já ficou distante o tempo em que a Volks ditava as regras do mercado brasileiro, determinava tendências e era vista quase como uma marca nacional. Mas é complicado se desfazer de uma imagem construída ao longo de décadas. Por isso, nós, brasileiros, temos dificuldade de entender a nova “missão” da Volkswagen. Qual seja: produzir
bons carros, com apelo popular, mas que não são exatamente baratos, em comparação com alguns concorrentes, porque trazem uma qualidade que o consumidor pode não ver, mas valoriza (ou deveria). E assim sua participação no mercado de automóveis de passeio se derrete ao ritmo das geleiras polares em tempos de aquecimento global. Dos 19,19% que tinha nos primeiros cinco meses de 2014 a Volkswagen caiu para 14,90% no acumulado deste ano! Sua diferença para a Ford, que era de 10,42%, agora é de mísero 3,17%. Talvez esteja difícil para o consumidor brasileiro entender o posicionamento de sua antiga marca mais querida. Afinal, as mensagens às vezes são incoerentes.
Um dos aspectos importantes enfatizados pela Volkswagen é sua origem alemã. Faz muitos anos que engenheiros alemães são usados em suas peças publicitárias. Nada que lembre os passeios do Fusca por esse Brasilzão afora mostrando quão “brasileiro” ele era. Em maio, para comemorar os 35 anos de produção do Gol, a Volks deu um desconto-monstro de R$ 5.000 na compra do carro e fez um bem-humorado filme referindo-se aos 7-1 da Alemanha sobre o Brasil na Copa do Mundo. Um engenheiro com forte sotaque alemão oferece ajuda a uma cliente que está em dúvida numa concessionária. Fala sobre o desconto de R$ 5.000 e emenda:
“Aproveita. A tecnologia do Gol é da Alemanha.”
A cliente, desconfiada, retruca:
“Gol, Alemanha… tá de brincadeira, né?”
O vendedor alemão, sério, responde:
“Brincar com tecnologia? Aqui na Volkswagen? Jamais!”
Ainda não sabemos se a promoção deu resultado. Os emplacamentos do Gol em maio subiram apenas 464 unidades (totalizaram 7.988). Sem dar esse descontão, o Fiat Palio subiu 1.628 (chegou a 10.469) e o Ford Ka cresceu 503 (atingiu 8.348). Provavelmente o resultado vai aparecer nos emplacamentos de junho. De qualquer forma, se o argumento para cobrar caro pelo Up (que perdeu 328 licenciamentos e somou 3.397 no mês) é o de ele que traz tecnologias e qualidade construtiva que os concorrentes não têm, a Volkswagen passa um discurso confuso quando associa tecnologia alemã com um desconto de R$ 5.000 num carro que já foi o mais vendido do mercado durante 27 anos e hoje está meio defasado em relação a alguns concorrentes.
Bem, essa é a história da Volkswagen, mas ela não está sozinha nesse “efeito estufa” que atinge os gélidos pilares das marcas líderes do mercado. A Fiat caiu de 20,91% para 15,87% e a Chevrolet foi de 19,02% para 16,42% (pelo menos pode comemorar o fato de ser líder nessa altura do ano). É comum, em mercados que ganham novos competidores e que tinham líderes com grande dominação, a perda de importantes fatias do bolo. Mas, ao contrário da Fiat e da GM, a Volkswagen não tem atualmente vocação mundial para entrar em guerras de preço. Talvez esteja apenas com dificuldade para assumir essa postura também no Brasil.