18/05/2015 - 0:00
Como temos abordado aqui, as vendas da indústria automobilística vão muito mal este ano. Entretanto, por mais que as vendas caiam, os preços não param de subir. Curiosamente, certas regras do capitalismo parecem não se aplicar ao Brasil. Os carros não caem de preço por dois motivos: 1) as pessoas pagam o que os fabricantes cobram; 2) o brasileiro ainda tem a ilusão de que automóvel é investimento. Quanto à primeira razão, trata-se de uma simples “guerra de nervos” entre fabricantes e consumidores. As montadoras já identificaram que a venda média diária subiu em abril e que também houve maior procura pelos carros usados.
É uma questão de tempo para que os consumidores voltem às lojas, sem necessidade de reduzir as margens de lucro. Quanto à segunda razão, trata-se de uma herança dos terríveis anos 1980, quando a inflação chegou a níveis escandalosos, a produção de automóveis era relativamente escassa e possuir alguns bens (como carro e até telefone) significava uma certa segurança financeira. Por mais que mantenham suas margens de lucro, entretanto, os fabricantes de automóveis precisam de menos gangorra no setor. Segundo o presidente da Anfavea, Luiz Moan, os recentes investimentos em novas fábricas foram feitos de olho no mercado do longínquo ano de 2034, quando o Brasil terá um mercado interno de 7 milhões de veículos leves, mas haja paciência para aguentar tanto.
Afinal, os executivos que buscam sucesso em suas carreiras e bônus de produtividade não podem esperar tanto. Para que o Brasil consiga dobrar o tamanho de seu mercado de automóveis e comerciais leves, é preciso uma profunda mudança de visão – primeiro do governo, depois dos bancos e finalmente do consumidor. Do governo espera-se que pare de cobrar impostos pela posse do veículo (o famigerado IPVA) e passe a taxar “apenas” a circulação do mesmo, como ocorre em vários países. Dos bancos espera-se que sejam menos gananciosos ao conceder financiamentos e passem a oferecer leasing sem a absurda entrada de 20% e com taxas mais camaradas. Do consumidor, espera-se que pare de ser burro e desapegue do mito de ser dono de um automóvel a qualquer custo.
A solução, para os três casos, é o leasing sem entrada e com baixas prestações, exatamente como ocorre nos Estados Unidos. Segundo a Tabela Fipe, o comprador de um Fiat Palio Fire zero km adquirido por R$ 27.340 terá seu bem depreciado para R$ 24.104 tão logo o tire da concessionária. Ainda de acordo com a Fipe, o dono de um Volkswagen Gol Special, adquirido por R$ 30.930, não conseguirá mais que R$ 25.768 ao tirá-lo da loja. Agora me digam: onde está o “investimento” desse negócio? Além de perder R$ 3.236 no valor de seu carro zero, o dono do Palio fictício vai gastar mais R$ 1.094 de IPVA e uns R$ 1.300 de seguro. Não é nada, não é nada, o tal carro que agora vale R$ 24.104 já está custando R$ 29.734 para seu proprietário.
Sem contar o alto custo dos combustíveis (gasolina a R$ 3,343 e etanol a R$ 2,522, em média, no Nordeste), alguns pedágios extorsivos (R$ 14,20 para rodar em pista simples de Londrina a Jataizinho, no Paraná) e o inacreditável preço de estacionamento em grandes cidades (R$ 20 para estacionar em qualquer restaurante da Vila Madalena, em São Paulo). Os politicamente corretos ainda podem contabilizar os altos índices de acidentes de trânsito e os níveis de poluição dos motores a combustão. Segundo uma interessante reportagem de Daniel Picolli no site Notícias Automotivas, nos Estados Unidos os contratos de leasing são de 100% e o valor é diretamente associado à depreciação pelo prazo do contrato, ou seja, de utilização durante o tempo combinado (12, 24 ou 36 meses).
Além disso, o consumidor e o banco combinam antes quantos quilômetros serão rodados a cada ano e, caso haja quilometragem excedida, esse valor será pago no final. A grande diferença é que o utilizador de um carro pagará somente pelo tempo de seu uso e não baseado no valor total do veículo, como é no Brasil. Isso sim seria um grande alento para que as montadoras passassem a produzir muito mais, para que os consumidores pagassem prestações justas por seus carros e para que a frota de veículos leves do País fosse rapidamente renovada. Mas, como ninguém dá o primeiro passo, as montadoras continuarão chorando e os brasileiros continuarão gastando horrores para fazer o pior negócio do mundo.