Se o voto é a “festa da democracia”, a compra é a celebração do capitalismo. Só que não mais no mundo atual.

Nas últimas semanas, o noticiário de negócios estampou novas aquisições e fusões de grandes empresas no Brasil e no mundo. A Bayer comprou a Monsanto, a AB InBev adquiriu a cervejaria britânica SABMiller e, neste final de semana, o Itaú Unibanco arrematou a operação de varejo do Citibank no Brasil.

Independentemente das empresas e seus setores, todas as transações têm um elemento em comum: respondem ao imperativo de crescimento imposto às corporações. Com dinheiro em caixa e a pressão por expandir seus negócios aos saltos em vez de cliente a cliente, avançam umas sobre as outras, reafirmando o modelo mental no qual o maior engole o menor na disputa por mercados finitos – que não se expandem sem mudanças estruturais ou inovações disruptivas.

Essas aquisições são uma injeção de adrenalina no mercado de capitais, mas também expõem as contradições do próprio modelo. De um lado, limitam a possibilidade de competição, uma das bases do livre mercado; de outro, concentram riqueza e, sobretudo, o poder de decisão sobre a geração de riqueza, nas mãos de cada vez menos grupos e pessoas.

Os órgãos reguladores cumprem com seu papel, digamos, higienizador: estabelecem alguns pequenos obstáculos e geram a impressão de que os interesses da sociedade estão salvaguardados. 

Com um olhar alternativo, nenhuma dessas empresas realmente necessitava dessa transação para se considerar bem-sucedida. Não diria de que se tratam de compras por impulso, seguramente foram estudadas, mas são, em verdade, compras impulsionadas por uma pressão externa, que está além das próprias necessidades de sucesso dos negócios.

Entre os objetivos principais da transação não está a satisfação do cliente. Antes disso, vem a preocupação em bloquear concorrentes, responder à expectativa de crescimento de investidores e acionistas, atender a metas de gestão sempre mais agressivas, abrir espaço para a ascensão de novos executivos e por aí adiante. 

Em algumas corporações, a expansão é a engrenagem central do modelo de gestão e da cultura da liderança. Sempre que me deparo com uma ambição como essa, me pergunto: por que seus controladores não se satisfazem em ter empresas excelentes e receber anualmente lucros reconfortantes? Por que alimentam o imperativo do crescimento?

Vaidade, ganância, desconhecimento, vício, crença… Muitas  respostas são possíveis. Em nosso cotidiano, da mesma forma que muitos eleitores já não depositam tanta confiança no voto, como ficou comprovado no nível de abstenções, nulos e brancos nas últimas eleições municipais, muitos consumidores se questionam e refreiam o impulso de compra. Essa lógica de “consumo consciente”, no entanto, ainda passa longe das fusões e aquisições das corporações.

Observadas com mais distanciamento, numa visão mais sistêmica, essas transações no longo prazo jogam contra o próprio patrimônio: geram concentração de poder econômico, empobrecimento das alternativas de negócios e de diversidade de pensamento no tecido econômico, o que enfraquece o sistema. Nessa  perspectiva, podem representar novos passos na direção da inviabilidade do capitalismo como o conhecemos hoje.