11/10/2016 - 0:00
Nesta semana tive a oportunidade de conversar longamente com o presidente do Grupo Bayer no Brasil, Theo van der Loo, que conquistou o prêmio de personalidade do ano na categoria Melhor Estímulo à Ação Afirmativa pelo Programa Diversidade na Bayer, concedido pelo Fórum de Desenvolvimento Econômico São Paulo Diverso 2015. Foi o reconhecimento por seu empenho individual na adoção de políticas inclusivas nas instituições de trabalho. Muito mais do que idealizar as ações afirmativas na empresa, Theo faz questão de participar dos debates acerca do tema e contribuir para a promoção dos direitos dos indivíduos e grupos étnico-raciais.
Maurício Pestana – Há uma mudança estrutural na área da educação no País, no que diz respeito à diversidade. Entramos no século 21 ocupando apenas 2% dos bancos das universidades e hoje somos quase 20%. Qual é a saída para estes quase um milhão de negros e negras que estão saindo das universidades e entrando no mercado de trabalho?
Theo van der Loo - Acho que essa é a grande oportunidade. Como vamos lidar com isso? Temos de ser proativos. Estamos preparados para garantir que não há preconceito inconsciente no momento da seleção? Ou temos de estar atentos e dizer ‘vamos aproveitar agora que há mais negros se formando e agir de forma proativa, procurar estas pessoas?’ A resposta é que isso vai ser bom para a empresa, para o ambiente de trabalho e, no final, para os resultados da própria organização.
Maurício Pestana – Embora brasileiro o senhor dirige uma empresa estrangeira e multinacional. Por que as companhias multinacionais são a maioria no grupo de organizações empresarias que investe na diversidade?
Theo van der Loo – Não podemos generalizar. Conheço companhias nacionais que tem a mesma preocupação que as multinacionais. Talvez tenhamos de pensar mais em termos de porte. Pequenas empresas na Europa ou nos Estados Unidos talvez não se preocupem tanto assim com a questão da diversidade como as grandes – tanto faz se é multinacional ou nacional. Acho que é mais fácil fazer alguma coisa quando se tem maior número de pessoas.
Maurício Pestana – Por que empresas onde programas de ações afirmativas com mulheres e LGBT são mais frequentes do que de raça?
Theo van der Loo - No caso da questão étnica, de integração racial, nos referimos, em geral, especificamente aos negros, mas no Brasil também temos os indígenas. Mas os negros são a maioria. Aí, realmente muitas organizações empresariais, talvez com exceção das americanas, não têm políticas tão fortes porque atuam mais de acordo com as necessidades de cada país. Não é que sejam contra, mas não se pode esperar muito apoio da matriz porque é uma política mais local. Por isso, eu como presidente do Grupo Bayer no Brasil estou muito envolvido neste tema, porque sinto que esse é o momento ideal. Sou proativo, pensando em um futuro próximo, que não podemos ignorar. Se mais da metade da população brasileira é de origem africana que está se educando e aumentando seu potencial de consumo, temos de estar de olho nisso, nesse futuro que bate à nossa porta.
Maurício Pestana – Como é a divisão étnica na Bayer?
Theo van der Loo - Temos na Bayer em torno de 15% de afrodescendentes contratados, sendo que a maioria não ocupa cargos de alto escalão. Assim, existe uma questão de desigualdade que precisa ser trabalhada e melhorada. É uma oportunidade. Além de ser justo, é bom para o negócio. Embora o negócio não deva ser o único motivo, acho que temos de pensar no ambiente de trabalho, nos funcionários sentirem orgulho de trabalhar e pertencer à organização. Porém, é preciso estar na vanguarda para tocar neste assunto. Digo isso porque alguém que ocupa um cargo como o meu se sente muito solitário.
Maurício Pestana – O senhor deve participar de muitas rodas com presidentes de outras empresas. Qual a reação de outros executivos quando o senhor aborda este assunto?
Theo van der Loo – Como não está no radar de muita gente, é comum me perguntarem ‘Theo, mas por que agora você está insistindo nisso?’. Porque eu acho que é importante, principalmente para o futuro, portanto, é melhor ser proativo do que reativo. Com essa forma de pensar, dificilmente alguém vai falar que você está louco ou que isso não seja importante ou até mesmo que você esteja errado. É possível concluírem que o tema não seja prioritário, uma vez que somos muito pressionados para obtenção de resultados. Agora, não tenho dúvidas de que, a médio e longo prazo, isso vai ajudar nos resultados da empresa.
Maurício Pestana – O que se deve levar em consideração na tomada de decisão de dar uma oportunidade para um negro num cargo de alta esfera na corporação?
Theo van der Loo – Não devemos simplesmente colocar um profissional num cargo só porque é negro ou negra. Podemos expor, e até ‘detonar’, esta pessoa – tudo o que não queremos. É necessário profissionais qualificados, com as competências adequadas para assumir um cargo. O essencial no processo de seleção é focar puramente na qualificação. Analisamos o currículo, sem considerar a foto e sem nos preocuparmos se o candidato é branco ou negro. Como o preconceito é inconsciente, precisamos estar apenas “vigiantes” para que nossas decisões sobre os candidatos negros não sejam “contaminadas” pelo preconceito. Como falamos muito sobre o tema na Bayer, já existe hoje uma preocupação muito maior neste sentido. Sinto que tenho muito apoio e um interesse genuíno dos meus colegas de RH e demais gestores.
Maurício Pestana – Qual o maior obstáculo para colocar a diversidade na ordem do dia em uma corporação?
Theo van der Loo – Com certeza mexer com o inconsciente, não está na agenda. É isso aí. Ninguém vai chegar numa empresa e dizer ‘eu não vou falar de negros, não quero falar’. Simplesmente muitas vezes não está no radar. Eu acho que a nossa missão, de toda a sociedade, é colocar isso na ordem do dia. Não precisa ser uma coisa agressiva, mas tem de ser algo que não pode ser esquecido, tem de estar sempre na pauta. Esse é o começo: a barreira tem de ser quebrada. Frequentemente executivos em altos cargos não sabem como abordar o assunto. Hoje é mais fácil falar de mulheres, porque existe uma pressão lá de fora e também das mulheres aqui, há algum tempo – principalmente a partir dos anos 60, com o advento da pílula e a entrada no mercado de trabalho quando começam a concorrer com os homens. Essa pressão não houve ainda por parte dos negros. Então, é preciso puxar para esse lado um pouco. Tem mulheres, mas também tem os negros. É necessário estabelecer metas e desenvolvê-las dentro das corporações, não precisa ser uma cota forçada. Por exemplo, se há um talento negro que ainda não tenha toda a qualificação e treinamento, vamos ajudá-lo no seu desenvolvimento.
Maurício Pestana – Você tem a sensibilidade de aprender. É interessante perceber que alguém na sua posição, mesmo sofrendo muitas pressões por resultados, nunca se esquiva em falar do assunto, está sempre pronto em se mostrar e dar o exemplo. Isso é muito raro e precisa muita coragem. O que te move?
Theo van der Loo - É interessante porque esta pergunta é recorrente. Às vezes estou numa reunião com mais CEOs que me questionam: ‘mas Theo, por que você está falando isso de novo?’ Não sei exatamente, talvez seja intuição. É uma coisa que tem a ver com justiça, faz sentido ter mais negros no mundo corporativo. É mais justo, mais lógico. Vai ser melhor para o país. Se negros menos privilegiados notarem que existem mais negros subindo na vida, isso é um estímulo para eles. Irão acreditar que podem mudar de vida. Negros fazendo carreira é um fator motivador para quem está pensando no que vai fazer da vida. Tem todo esse lado de ser o exemplo também. Até agora, geralmente são os brancos que fazem carreira, que veem isso como automático. Talvez um negro se sinta como se nunca fosse chegar lá, como se não fosse para ele. Esse pensamento deve ser revertido.
Maurício Pestana – ..e quais os fatores que te levaram a pensar desta maneira?
Theo van der Loo - Uma outra coisa inconsciente que me leva a ser assim é a minha educação. Nunca vi meus pais discriminarem, muito pelo contrário. Perto da minha casa tinha uma favela, eu brincava com o pessoal de lá, futebol na rua. Nunca teve discriminação em relação à classe social ou cor. E isso é uma coisa levamos para a vida. E também o fato de ter morado na Europa, que é um país onde esses assuntos são muito importantes. Além disso, sinto que eu como brasileiro tenho a obrigação moral de ajudar diminuir a desigualdade que existe hoje. Não podemos sempre colocar a culpa no estado. Se cada empresa contribuir um pouco vamos dar um salto. Se forem somente algumas, será apenas uma gota no oceano. Somos nós, cidadãos brasileiros, que fazemos o país que queremos e as empresas podem dar um grande “empurrão”, deixado sua contribuição social, fazendo uma diferença na vida de milhares pessoas, principalmente aquelas que foram historicamente excluídas, mas que também ajudaram a construir nosso país.
Maurício Pestana – Metas ao invés de cotas no setor privado, como o senhor vê isso?
Theo van der Loo – Em primeiro lugar, penso que cota obviamente é pior do que meta, porque é algo forçado, você tem um número lá para cumprir. Quando se estabelece uma meta na própria empresa, ela pode até ser maior do que a cota, não vai parar na cota, você pode acabar colocando até mais. Meta envolve a empresa de uma forma proativa e voluntária.
Maurício Pestana – E como isso se dá, na prática?
Theo van der Loo – No caso das mulheres, atualmente, temos a meta global de 30%, em todos os níveis. Mas para afrodescendentes não temos números estabelecidos – o que faria sentido, até para medir se suas atividades e se o fato de abordamos o assunto estão gerando algum tipo de mudança. Alguns profissionais negros nos relataram que a sua percepção é de que a Bayer, pelo fato de falar no assunto, já contrata mais negros, inclusive para cargos importantes. Notamos que isso mexe com as pessoas. Por esse motivo, acredito que o a meta é algo mais voluntário, mais proativo. Talvez o sistema de cotas seja mais reativo, porque carrega a ideia de ‘já que não fez, agora vai ter de fazer’. É muito melhor estabelecer uma meta, mais simpático para engajar todo mundo. Fizemos um senso há 2 anos atrás e em breve faremos outro para ver como foi a evolução em relação à diversidade na Bayer.
Maurício Pestana – A discussão sobre inserção de negros nos altos cargos nas grandes empresas é nova. Como você tem sentido o impacto dessa discussão?
Theo van der Loo – Quando puxo o assunto com as outras empresas noto que muitos profissionais nunca pararam para pensar sobre isso. Começam a refletir e percebem ‘realmente, aqui na minha empresa não tem nenhum negro em cargo alto, não me lembro de ter visto algum’. Então você vê o impacto causado por essa discussão. E para mim, principalmente, comecei a me colocar no lugar dos negros – ‘se eu fosse negro, como é que seria?’.
Maurício Pestana – E como é se colocar no lugar de um negro?
Theo van der Loo – Você começa a pensar sobre isso, começa a conversar. Participei de uma reunião com os funcionários e aquilo foi para mim um ‘quebra-gelo’, digamos. A intuição dizia: ‘como é que eu vou fazer isso se eu nem sei como abordar o tema?’. Decidi perguntar para o próprio funcionário, mesmo correndo o risco de levar um fora. Foi uma surpresa. Tive a oportunidade de perceber um outro mundo, mais silencioso, porque dificilmente um colaborador negro vai puxar o assunto, a menos que tenha muita intimidade com você. Eu, na realidade, estou gerando mais intimidade, independente do cargo, para o funcionário aqui na empresa falar comigo sobre isso, o que é um aprendizado enorme para mim. Então todo dia acabo tendo uma série de insights.
Maurício Pestana – É muito difícil uma pessoa no seu posto estar atento para essa problemática, como é isso?
Theo van der Loo - Talvez por conta de minha história, meus pais passaram por uma guerra, um fator que acaba mudando os valores. Meu pai fez trabalho forçado na Tailândia, não deixou de ser um tipo de escravo, não era livre e, quando acabou a guerra, voltou para a família na Holanda e depois veio para o Brasil, enfim, pôde continuar a vida. Mas ele sabia a sua origem. Eu me coloquei no lugar dos africanos que vieram para cá e ficaram aqui escravizados mais de trezentos anos, e aí, foram libertados e eu pensei ‘vão fazer o que? Voltar para casa, para o seu país, para os seus familiares?’.
Maurício Pestana – Para finalizar, qual é o grande aprendizado que uma política de inserção de negros pode nos dar?
Theo van der Loo – Acho que é aquilo que você falou. Presidentes de grandes organizações como eu tem esse dilema, porque tem a entrega dos resultados, a prioridade da corporação, os valores, projetos de RH e uma série de outras responsabilidades. Mas, normalmente, o resultado pesa muito. Quando propomos ideias um pouco diferentes, que podem até custar um pouco mais de dinheiro, porque é necessário investir em treinamento para aqueles que tem potencial e não tiveram oportunidades -, muitas vezes, com a pressão de cortar despesas, acabamos por deixar para uma outra ocasião.
Mas seguir em frente com essa ideia é importante, tem de ser perseverante e também aproveitar todas as oportunidades para colocar o tema da diversidade em pauta, para não cair no esquecimento. Não podemos resolver todos os problemas do Brasil ou dos negros do Brasil. Mas é possível fazer a diferença. Mesmo que o benefício ainda seja para poucos, já me contento. E se cada brasileiro pensar assim, cuidar de alguns, dar uma oportunidade, fazer um pouco além, um pouco mais, conseguiremos avançar.