13/06/2016 - 0:00
Paulo Pianez é economista e mestre em Qualidade e Estatística pela Unicamp. Como diretor de sustentabilidade do Carrefour Brasil é o responsável por tornar esse grupo uma referência no moderno mercado varejista do Brasil quanto à saúde, segurança do consumidor e proteção ambiental, além da qualidade e segurança de clientes, funcionários e produtos. Antes de chegar ao Carrefour, Pianez foi diretor de qualidade e relacionamento com clientes do BankBoston, superintendente de qualidade e superintendente de Churn Management & Customer Satisfaction no Grupo Santander. Desde 2008, atua como diretor de desenvolvimento sustentável no Grupo Carrefour Brasil.
MAURÍCIO PESTANA- O grupo Carrefour tem se tornado uma referência na questão da igualdade racial, quais são as principais ações que o grupo tem feito nessa área?
PAULO PIANEZ – É preciso retroceder um pouco para entender o histórico de como o tema diversidade, de uma maneira mais ampla, acabou entrando na agenda e hoje faz parte do modelo de gestão da empresa. Em 2010, tivemos a reedição mundial no nosso código de conduta e dentro da reedição havia um terceiro princípio que dizia: “valorizar a diversidade em todas as suas formas e manifestações”. E por que dizia isso?
O Grupo está presente em 35 países - China, Europa, América do Sul e Oriente Médio – inserido e se relacionando com uma multiplicidade de culturas. São cerca de 400 mil funcionários no mundo. Só no Brasil, hoje, são 76 mil. Ou seja, temos praticamente uma amostra perfeita do que é a sociedade brasileira. Até porque, somos uma empresa que emprega grande número de pessoas que estão em seu primeiro emprego – o que representa uma base significativa de pessoas jovens. E quando a gente tira um retrato desta população, a questão da diversidade aparece claramente explicitada. E mais ainda: a presença do negro. Percebíamos que estava presente, mas sempre questionávamos se estava da forma como deveria estar. Esta foi a primeira semente.
MAURÍCIO PESTANA – Efetivamente, como foi o primeiro passo?
PAULO PIANEZ – Aí entremos na segunda semente que diz respeito ao seguinte aspecto: além deste público, que são os funcionários do Carrefour, recebemos por dia quase um milhão de pessoas, considerando que o grupo está em todo Brasil, e devido à localização de nossas lojas temos uma grande participação da classe C, essencialmente, ou dependendo da região, B/C ou C/D.
Então, o consumidor que frequenta nossa loja também é uma expressão do que é a população brasileira - que é de maioria negra. Juntando as duas questões, começamos a nos dar conta que não tínhamos uma maneira estruturada para lidar com este público ou uma política específica para nossos funcionários negros. E historicamente no Brasil, a discriminação e o racismo infelizmente ainda são uma realidade. Somos educados desta forma e isto acaba transparecendo na forma como lidamos com estes públicos.
MAURÍCIO PESTANA – Este é o grande desafio das empresas encarar a realidade resultante da exclusão histórica?
PAULO PIANEZ - Havia uma série de desafios de que teríamos que trabalhar e começamos a estruturar efetivamente um programa de diversidade que abrangesse todas estas questões. Desde estilos e costumes, como pessoas que tem tatuagem, alargador, dread, passando pela questão da idade, religião, raça e identidade de gênero. Temos todos estes recortes trabalhando conosco, mas focamos principalmente na questão do negro e da mulher porque eles estão no centro do problema. E quando você faz a junção de negra e mulher, a complexidade fica ainda maior. Sendo assim, vimos a necessidade de promover uma estruturação interna para que a desigualdade, que ainda prevalece no mercado brasileiro, pudesse ser trabalhada de maneira mais adequada dentro do Carrefour.
No passado, fizemos um primeiro levantamento demográfico e percebemos que já éramos uma empresa com grande presença de negros e mulheres, mas dentro da nossa política de recursos humanos esta questão não estava estruturada em termos de recrutamento e seleção, carreira, treinamento e capacitação, para que todos estivessem na mesma escala.
MAURÍCIO PESTANA – Em que momento vocês sentiram que já tinham um projeto pronto para colocar em prática e lidar com toda essa diversidade?
PAULO PIANEZ – Em 2012, lançamos o Programa de Diversidade como um modelo de gestão e oferecemos treinamento para 100% dos nossos líderes, gerentes e funcionários diretos. Depois desta capacitação, passamos a replicar este modelo em nossas lojas. Criamos uma cartilha com perguntas e respostas, incluindo questões como o que é racismo, como lidar se você presenciar uma situação como esta, como evitar etc. As questões que levavam em conta o conceito histórico, mas ao mesmo tempo, eram simples e diretas, para falarmos com aquele público de maneira adequada.
Feito isso, começamos a trabalhar programas de capacitação mais técnicos. Criamos um programa interno de capacitação destes públicos e também começamos a trabalhar nas lojas e nos entornos, nos quais temos uma capilaridade muito grande com grande volume de contratações. Foi daí que surgiu o programa Conexão Varejo, voltado para a formação de jovens, que tem este recorte de gênero e raça e visa preparar o jovem para entrar no mercado de trabalho, mais especificamente o varejo. Desde então, temos treinado cerca de 2 500 jovens todos os anos. O programa até hoje já treinou mais de 12 mil pessoas.
MAURÍCIO PESTANA- Este investimento retorna para o Grupo?
PAULO PIANEZ - Isso é fundamental. Quando a gente começa a colocar em prática, vemos que hoje somos uma empresa eminentemente negra e feminina; 58% dos nossos funcionários se autodeclaram negros e 59% mulheres. Hoje, em torno de 42% dos nossos funcionários, que ocupam cargo de gestão, são negros e cerca de 39% mulheres, entre gerentes e diretores; 20% nos nossos diretores são negros. Se compararmos com a última pesquisa vemos que é um número expressivo, mas ainda temos que melhorar.
Do ponto de vista econômico também é primordial. Hoje o grupo tem um desempenho muito bom no Brasil e esta questão tem um peso muito importante. Quando a empresa é mais acolhedora, inclusiva e mais justa, isso faz com que o clima organizacional seja diferente, faz com que elas sejam mais produtivas, engajadas e tenham orgulho de pertencer. Se um negro trabalha aqui, ele se sente representado. Se uma mulher trabalha aqui, ela se vê representada. Se uma transexual trabalha aqui, também se vê representada. Então isso traz uma conexão empresa-trabalho muito grande que, por si só, traz resultados efetivos e econômicos.
MAURÍCIO PESTANA – Do ponto de vista estratégico, como isso impacta o desenvolvimento do grupo?
PAULO PIANEZ – Este trabalho gera uma conexão com o público que vem ao Carrefour para comprar. Temos que lembrar de números, de uma população que ascendeu nos últimos 13 anos no Brasil que é maioria negra e muitas destas famílias lideradas por mulheres. São estas pessoas que frequentam as lojas e formam a massa consumidora e que, portanto, é aquele público direto com quem trabalhamos.
Se não estabelecermos uma conexão muito clara daquilo que estamos fazendo, acolhendo a pessoa que vai consumir, cria-se uma barreira que vai ter impacto financeiro e econômico. Então, tem as duas questões: a conexão interna, que faz com que os funcionários sejam mais produtivos, criando um melhor desempenho e, na outra ponta, eu consigo trabalhar aquele que é a razão da existência da empresa do ponto de vista de sustentação econômica, o consumidor.
MAURÍCIO PESTANA- Muitas empresas no Brasil têm interesse em começar a trabalhar a diversidade, mas não sabem como lidar com a questão. Para este empresário novo, por onde ele deve começar, quais os desafios e quais os erros que ele não deve cometer?
PAULO PIANEZ - A primeira coisa que ele não deve pensar é no tabu de que o tema é muito difícil de lidar então é melhor deixar de lado. Ao contrário, a partir do momento que estas questões começam a ser identificadas, ele verá que muitas dificuldades são mitos. O ponto de partida é ter a vontade de trazer a questão à mesa. A partir disso, o empresário não pode negar que há um problema a ser trabalhado do ponto de vista histórico e precisa entender como isso funciona dentro da empresa. Onde estão meus funcionários negros? Quais são os cargos que eles ocupam? Há alguma política interna voltada para esse público?
Feito isso, ele poderá montar um processo em conjunto com o Recursos Humanos, utilizando instrumentos de recrutamento e seleção e, posteriormente, de capacitação para que, surgindo uma oportunidade dentro da empresa, este funcionário possa disputar em pé de igualdade com outras pessoas. Estabelecer metas e indicadores também é importante para saber para onde se está indo, quais são as necessidades deste público e como criar mecanismos para que as questões sejam melhoradas. Ou seja, tudo precisa ser visto de maneira orgânica.
MAURÍCIO PESTANA – Algumas empresas já carregam esses valores nos seus respectivos códigos de conduta, não seria só seguir o que já esta descrito?
PAULO PIANEZ – Quando você tem uma empresa que já tem isso como um valor, tudo fica mais fácil. Mas vale lembrar que o Carrefour não era assim. Começamos a mostrar que isso surtia efeito e o líder empresarial, quando vê o aspecto econômico, começa a dar ouvido para questões que muitas vezes não eram trabalhadas porque não eram problematizadas. E quando este aspecto é colocado dentro da empresa, posso dizer que funciona de verdade.
A empresa será muito melhor do ponto de vista de produtividade, clima organizacional, atendimento, imagem e reputação. Se compararmos o que somos hoje com o que éramos há cinco anos, vemos que o Grupo deu um salto extremamente expressivo em um espaço muito curto.