Grampo da Polícia Federal, na Operação Carne Fraca, capturou uma conversa entre o gerente de Relações Institucionais da empresa BRF, Roney Nogueira dos Santos, e o deputado Rogério Peninha Mendonça (PMDB-SC). O alvo da interceptação telefônica era Santos, preso preventivamente na Carne Fraca.

Em relatório, a Polícia Federal afirma que o executivo da BRF “tem feito contatos com políticos para solicitar ajuda para cumprimento/descumprimento de Normas do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento”.

“Não foi possível avaliar o deputado federal Rogério Peninha Mendonça se comprometeu com o pedido de Roney para, como é comum, de um lado, fazer um ‘lobby’ junto ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento em favor da BRF e, de outro, se iria conversar com e ‘exigir’ de Luiz Gustavo Balena, fiscal agropecuário do Porto de ltajaí/PR, que ‘cumprisse’ ou ‘descumprisse’ a Instrução Normativa nº 39, do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento”, aponta o documento da Federal.

A conversa foi capturada às 11h08 de 26 de fevereiro do ano passado. Segundo a PF, Roney “precisa de apoio (lobby)” sobre a IN 39 – norma estabelecida em 27 de outubro de 2015 pela então ministra Kátia Abreu (PMDB-TO), que regula documentação sobre importação e exportação -. Para os investigadores, a BRF não queria cumprir a IN 39.

“Deputado, eu preciso de um apoio seu, já que o deputado teve uma boa participação e aí a gente também teve um bom contato lá em Santa Catarina, a questão da Portuária. Olha só o Ministério da Agricultura, através do Vigiaro, implantou uma norma 39, uma Instrução Normativa 39 e tá dando o maior rebu em Santa Catarina e em todo o Brasil na verdade, mas como o deputado é de Santa Catarina, a gente precisa do seu apoio em Santa Catarina”, pediu Roney Nogueira dos Santos.

O executivo da BRF explicou ao deputado do PMDB. “O que essa norma criou. Ela criou um procedimento eletrônico e no papel e aí tá gerando um atraso nas nossas exportações e assim ó … a gente tá correndo risco de .. de travar tudo lá em Santa Catarina. E eu preciso de seu apoio porque o pessoal do Porto, inclusive o Balena, eu queria que o senhor desse uma ligada pra ele, porque ele em vez de ajudar nós (sic) lá a tentar, a conversar com os outros fiscais pra que pare o atendimento da norma, que saiu um documento do Secretário de Defesa … ele fica meio que jogando lá contra, muvucando as questões lá. Então … teria como o doutor de repente com suas forças políticas aí, ligar pro Secretário de Defesa, pedir pra parar essas (ininteligível) …”

Peninha responde, citando o Sistema de Vigilância Agropecuária Internacional (Vigiagro). “Eu vou lá, terça feira eu vou lá visitá-lo, tu me manda, pode ser por WhatsApp … uma coisa bem resumidinha ( … ) eu vou lá no Vigiagro, no diretor do Vigiagro lá.”

Roney diz que “precisava de uma ação ou de repente o do deputado ligar hoje”. “Ligar( … ) pô o pessoal das empresas de Santa Catarina tão reclamando.”

“Mas hoje … meio dia sexta feira( … ) o certo é falar pessoalmente”, responde o deputado do PMDB.

“Mas o problema é que eu perdi, vou perder um monte de embarque agora final do ano, final do mês. Não é só nós”, insiste Roney.

“Terça feira de manhã eu tô em Brasília, já vou nas primeiras horas, já na primeira hora, eu vou lá no Ministério falar pessoalmente”, afirma Peninha.

“Eu vou mandar pelo WhatsApp então aí um resumo aí pro deputado então”, avisa o executivo da BRF. “Mas dá uma ligada pro Balena aí, pergunta o que que ele tá muvucando lá.”

“Pro Balena eu posso .. eu ligo tá?”, diz o parlamentar.

“Fechou então”, afirma Roney.

Defesas

o deputado Rogério Peninha Mendonça se manifestou sobre a questão. “Atendi a essa ligação, assim como atendo diariamente prefeitos, entidades de classe, juízes, promotores, jornalistas, empresários e pessoas da sociedade em geral, que solicitam apoio nas mais diversas demandas. Procuro sempre atender a todos, desde que os pedidos sejam justos e dentro da legalidade”, disse.

“Como você pode ver, a transcrição do telefonema não me compromete, e eu não me proponho a fazer qualquer ato ilícito ou coaduno com qualquer irregularidade. Condeno veementemente todos aqueles que cometeram as ilicitudes colocadas à luz do dia pela operação Carne Fraca. Crime contra a saúde pública deve ser comparado a crime hediondo. Pessoas que põem em risco a saúde de outras pessoas e, escancaradamente, comprometem um setor tão importante da nossa economia, não podem ter perdão ou qualquer redução de pena. A punição tem que ser exemplar”, afirmou

A reportagem procurou a BRF na noite desta quarta-feira, 22. Em comunicado após a deflagração da Operação Carne Fraca, a empresa divulgou comunicado à imprensa.

“A BRF não compactua com práticas ilícitas e refuta categoricamente qualquer insinuação em contrário. Ao ser informada da operação da PF, a companhia tomou imediatamente as medidas necessárias para a apuração dos fatos. Essa apuração será realizada de maneira independente e caso seja verificado qualquer ato incompatível com a legislação vigente, a BRF tomará as medidas cabíveis e com o rigor necessário. A BRF não tolera qualquer desvio de seu manual da transparência e da legislação brasileira e dos países em que atua”, diz trecho da nota.

“A BRF reitera que todas as medidas tomadas pela empresa e seus técnicos estão plenamente de acordo com os mais elevados níveis de governança e compliance e de forma nenhuma ferem qualquer preceito ético ou legal do Brasil e dos países para os quais a BRF exporta seus produtos”.

Sobre a prisão de Roney Nogueira dos Santos, a empresa afirma o seguinte: “O sr. Roney apresentou-se voluntariamente às autoridades brasileiras na manhã deste Sábado (18), vindo da África do Sul, onde estava a trabalho, para prestar todos os esclarecimentos necessários às autoridades. A BRF está acompanhando as investigações e dará todo o suporte às autoridades”.

“A BRF vem a público manifestar seu apoio à fiscalização do setor e ao direito de informação da sociedade com base em fatos, sem generalizações que podem prejudicar a reputação de empresas idôneas e gerar alarme desnecessário na população”, finaliza a nota.