“Dica: não é um novo Mac.” Curta e enigmática, a mensagem enviada pela Apple convidava para uma apresentação marcada para o dia 23 de outubro de 2001. Se hoje um evento da empresa causa barulho, na época o chamado não despertou maior agitação na imprensa mundial.  Isso não impediu que, na data e na hora agendadas, Steve Jobs subisse ao palco do auditório na sede da Apple, em Cupertino, na Califórnia, e fizesse uma longa introdução, listando todos os aspectos técnicos e “revolucionários” do novo produto: um tocador de música digital pequenino chamado iPod. No momento de revelá-lo, em vez de retirar um pano que o cobria em uma mesa no centro do palco, como fazia habitualmente, desde os primeiros Macs, Jobs simplesmente tirou-o do bolso de sua calça jeans. 

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E completou, com orgulho e o entusiasmo que lhe eram peculiares: “Mil músicas. E ele cabe no seu bolso”. A plateia começou a se alvoroçar, mas ao ouvir o preço da novidade – US$ 399 – o ânimo murchou.  O ceticismo foi geral. A maioria ali não conseguia entender como aquele aparelhinho caro, com seus fones de ouvido branco, poderia ajudar a Apple, que precisava se reinventar, depois de quase ter quebrado alguns anos antes. Uma década depois, o iPod se tornou o objeto de desejo de uma geração, um ícone cultural que virou referência quando o assunto é música digital. Mais do que isso, o iPod pavimentou o caminho que transformou a empresa fundada por Jobs e seu chapa Steve Wozniak, em 1976, de uma pequena fabricante de computadores da marca mais valiosa e inovadora do mundo, com faturamento de US$ 108 bilhões neste ano.

 

Os números que cercam o iPod são igualmente impressionantes: são mais de 320 milhões de aparelhos vendidos, o que o coloca como equipamento portátil mais vendido do mundo em toda a história. O Walkman, da Sony, o pioneiro da música portátil, lançado em 1979, levou três décadas para chegar à marca dos 250 milhões de unidades vendidas. A repercussão da engenhoca da Apple motivou até o lançamento de livros, como The perfect thing (A coisa perfeita, na tradução para o português) e The cult of iPod (O culto do iPod), escritos, respectivamente, pelos jornalistas Steven Levy e Leander Kahney. Simples e elegante, o iPod chacoalhou a indústria da música e facilitou o caminho para que as pessoas pudessem carregar no bolso a trilha sonora predileta para qualquer momento do dia. 

 

Para um aparelhinho que nasceu apenas para ajudar a Apple a vender mais Macs, o iPod chegou bem longe e aumentou a empáfia de Jobs – incensado posteriormente como o grande Midas corporativo do início do século XXI –, que morreu há três semanas. Ele proporcionou episódios divertidos. Um deles se deu em um evento no início de 2006, em Nova York. Com vários CEOs da indústria de tecnologia na plateia, do palco Jobs perguntou quem ali tinha um iPod. Boa parte dos presentes exibiu o seu reluzente tocador digital Apple. Jobs não disfarçou sua satisfação e completou: “Ei, Bill, relaxa! Pode levantar o seu também”, disse, olhando para Bill Gates, o rival da Microsoft, que assistia à palestra. Constrangido, Gates deu um sorrisinho. Para entender as razões do sucesso internacional do iPod, é preciso olhar para trás e ligar os pontos, para usar uma expressão que Jobs admirava. 

 

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“O iPod foi o primeiro gadget integrado a uma gama de serviços e softwares’, afirma Leander Kahney, autor do livro Por dentro da cabeça de Steve Jobs. “O que hoje vemos em tevês, impressoras, sistemas de som automotivo e videogames portáteis nasceu com o primeiro iPod”, diz. E foi justamente a partir desse tocador digital que a Apple readquiriu a imagem de grande celeiro criativo da indústria tecnológica. Em 2005 e 2006 – antes do lançamento do iPhone, apresentado apenas em 2007 –, a companhia de Cupertino foi escolhida a empresa mais inovadora do mundo, em um levantamento da Boston Consulting, que ouviu mais de mil companhias em todos os continentes. O iPhone, por sua vez, foi visto, à época do seu lançamento, como  apenas um iPod que fazia ligações. 

 

O mundo dos celulares inteligentes causava apreensão a Jobs. O fundador da Apple temia que a profusão de telefones móveis com tocadores de MP3 embutidos acabasse com a sua mina de ouro. O receio fazia sentido porque um tombo nessa área poderia ser fatal, tamanha a importância do iPod para seus  negócios. Em 2006, cerca de 50% da receita da Apple era obtida com vendas desse item. Jobs queria evitar que acontecesse fenômeno parecido com o que se deu com as câmeras digitais fotográficas, cujas vendas diminuíram depois do surgimento de celulares equipados com recursos para tirar fotos. Jobs acreditava que seria questão de tempo para que isso ocorresse com o iPod. 

 

Então, não titubeou e lançou o iPhone. O raciocínio do empresário era o seguinte: era melhor que ele próprio ocupasse esse terreno, eventualmente minando o iPod, em vez de um concorrente. “Se você não fizer isso consigo mesmo, alguém o fará”, costumava afirmar. Os anos se passaram, o iPhone é um fenômeno de vendas e o  iPod, embora não seja mais o principal produto da Apple, continua relevante nos negócios. Tim Cook, atual CEO da Apple, já deixou claro que não tem planos de enterrar o equipamento, pois ele é considerado a principal porta de entrada de novos consumidores para o mundo Apple. “Quase metade dos compradores de iPod tem o seu primeiro contato com a nossa marca a partir desse tocador ”, disse Cook. “Trata-se de um mercado muito grande e importante para nós.” 

 

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Brasil, a mina de ouro

 

Ainda que com uma operação enxuta e sem grandes esforços, as vendas da companhia no País crescem 118% e chegam a US$ 900 milhões

 

Mesmo sem grandes investimentos no Brasil, a Apple vem colhendo ótimos resultados no mercado nacional em 2011. O País foi uma das regiões de maior crescimento para a empresa em 2011. A expansão nas vendas foi de 118% no ano fiscal encerrado em setembro, em relação aos 12 meses anteriores, totalizando mais de US$ 900 milhões de faturamento. É um desempenho notável, ainda mais se considerarmos a operação enxuta da empresa no País. Sem lojas próprias por aqui ou produção local, a companhia atua por meio de grandes varejistas, além de estabelecimentos de parceiros similares às suas Apple Store originais. Há também uma loja virtual própria que entrega mercadorias em todo o País. 

 

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Terceirização: a empresa americana ainda não iniciou a fabricação local de produtos

 

“Não chegaríamos a esse resultado no Brasil se não estivéssemos tomando algumas medidas”, limitou-se a dizer Tim Cook, CEO da Apple, durante o anúncio dos resultados da companhia, feito na segunda quinzena de outubro. Os dados não levam em conta o crescente número de brasileiros que viajam ao Exterior e costumam trazer produtos da marca da maçã na bagagem. Ao ser perguntado sobre os planos de fabricação local para suprir a demanda do mercado brasileiro, o executivo saiu-se com uma resposta dúbia. “Não tenho nenhum anúncio para fazer no momento”, disse Cook. A declaração pode significar duas coisas. Uma delas é que o novo CEO da Apple realmente não tem nada a dizer sobre isso – e ponto final. A outra opção é que ele prepara um anúncio matador para breve, mas ainda não quer entregar o ouro. É esperar para ver.