Por onde passa, Dulcineia – duas rodas e corpinho de bambu – chama a atenção. “Onde quer que eu esteja, as pessoas sempre se aproximam primeiro da bicicleta e depois, por consequência, de mim”, conta Ricardo Martins, de 32 anos, dono da Dulci, como carinhosamente apelidou a “magrela” que o acompanha na maior aventura de sua vida: uma volta ao mundo pedalando.

O brasileiro, que começou a viagem em 4 de abril de 2016, na Cidade do Cabo (África do Sul), terminou de atravessar o continente em agosto, depois de passar por sete países, cruzar o deserto do Saara até chegar ao Egito. Foram, ao todo, 14 mil quilômetros e 12 quilos perdidos.

Formado em Ciências Sociais, Martins viaja de olho em soluções de mobilidade urbana nos países por onde passa. “Entrevisto as pessoas do poder público e da sociedade civil em cada país, pelo menos nas capitais, para ver quais os problemas (de mobilidade) que encontram e as soluções”, diz ele.

Uma ONG ajudou Martins a fazer os questionários e a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a compilar os dados. As entidades ainda auxiliam o ciclista a mapear organizações que possam ser entrevistadas. E o roteiro pelos países ajuda a conectar. “Como é um projeto de longo prazo, temos a possibilidade de construir uma rede interessante e pensar até em parcerias para pesquisas internacionais”, diz Juliana DeCastro, um dos três pesquisadores que organizam os dados.

Ao longo da jornada, Martins vê como os dilemas sociais interferem na mobilidade. “Na África do Sul, a segurança pública é deficitária e não dá para incentivar as pessoas a andar de bicicleta porque elas não podem cruzar entre bairros negros e brancos, por exemplo.”

Como em muitas regiões do Brasil, ele percebeu que a bike na África nem sempre é questão de escolha. “Em cidades muito pequenas, todo mundo usa porque não há outro meio. É comum que não exista transporte público 24 horas até em cidades populosas, como Nairóbi (Quênia).”

Simplicidade. Confeccionada com bambu, a bike de Martins é, mais do que meio de transporte, personagem da aventura. “Se eu chegar com uma bicicleta de carbono, sinistra, automaticamente viro o ‘riquinho’. Mas o bambu aproxima.”

Apesar de simples, a Dulcineia deu conta de extremos como a chuva na Etiópia e a secura do deserto. “Já quebrei roda, guidão e câmbio, mas o bambu segue intacto. Foi feita à mão, sob medida para mim. Projetada para uma volta ao mundo e se encaixa perfeitamente.”

Com a bike, ele percorre 100 quilômetros por dia e leva, em média, 50 quilos – “só o básico”, garante. A bagagem inclui roupas, barraca, saco de dormir, equipamentos de cozinha e ferramentas. “Tudo o que tinha, dei. Aprendo a otimizar o espaço e precisar de cada vez menos.”

Ele prefere dormir em vilarejos a hotéis. Não conta com patrocínio, mas tem apoiadores, que participam com pequenas quantias. Com isso, consegue US$ 300 mensais para comida e vistos. Em troca, o apoiador ganha souvenirs nada convencionais, como mensagens em vídeo de moradores de várias partes do mundo.

Neste mês, Martins dará palestra na Alemanha sobre o projeto. Depois, iniciará o trajeto pela Europa, com a expectativa de chegar à Rússia no verão. A previsão é viajar pela Ásia, Oceania e voltar às Américas em cinco anos. “Na África, me perguntavam o motivo da volta ao mundo, e eu dizia que é meu sonho. Não consigo imaginar um objetivo maior do que um sonho.”

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.