15/10/2017 - 10:03
Márcia Leite, escritora, educadora e diretora da Editora Pulo do Gato
Quando vemos o catálogo da Editora Pulo do Gato, impressionam a coragem de tocar em temas tristes e também a maneira como eles são tratados. Abordar esses temas com as crianças e, de certa forma, com os adultos, é uma missão?
Acho que a palavra vocação talvez seja mais apropriada que missão. A Pulo tem um DNA muito particular, por ser uma editora independente criada e tocada por dois educadores, autores e editores. Nosso catálogo revela os temas que importam e habitam a pessoa do editor. Pensando assim, o fato de termos livros que falam de direitos humanos, da criança em situações de vulnerabilidade, da guerra e do refúgio vista pelo foco da infância, entre outros, não deve ter sido coincidência e sim consciência da necessidade e importância de obras como essas. Crianças precisam de livros que permitam interlocuções sobre temas que as rondam direta ou indiretamente e sobre os quais têm curiosidade ou necessidade de diálogo. Se alguns temas são tristes, duros, controversos, comoventes, bem, a vida é assim também para as crianças.
Ao tratar desses temas, os livros podem tocar os envolvidos de maneira diferente? Acredita que eles repercutem nas famílias e na sociedade como um todo?
Se eu não acreditasse não seria educadora. Trabalhei 30 anos em escola, então não dá para ser educadora só de vez em quando, nem editor. Um catálogo é fruto de um percurso de escolhas coerentes. De tentativas, erros e acertos, assim como a educação. O projeto editorial da Pulo tenta dialogar com nossa visão de mundo, que é nunca reduzir e nunca dizer nunca para um tema.
O diálogo entre texto e imagem no livro ilustrado pode ampliar a busca poética como forma de abordar assuntos difíceis como Mariana ou refugiados?
Um livro ilustrado é um jogo sem regras em que a busca dos sentidos pode acontecer pelas mais improváveis e inusitadas combinações entre as linguagens visuais e verbais, incluindo o projeto gráfico. Quanto mais possibilidades de desvios de rotas, de fuga da obviedade, a mais possibilidades interpretativas o leitor será exposto. A ausência da poética faz com que o tema grite em torno de um discurso unívoco. Num bom livro ilustrado, tudo é pensado para a pluralidade.
E por que vale a pena publicá-los?
Livros podem fazer diferença na vida das crianças. Elas não têm qualquer dificuldade com temas considerados delicados, controversos ou difíceis. Difíceis são os adultos que precisam ser convencidos de que as crianças não vivem uma realidade paralela à deles. E que têm direito de conhecer e compreender o mundo pelas lentes cuidadosas da linguagem simbólica, na literatura e no livro ilustrado.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.