21/01/2018 - 9:14
Organizadores e curadores da 21ª Mostra de Cinema de Tiradentes avaliam que a produção recente do cinema nacional vem se debruçando sobre elementos da realidade. A análise leva em conta as características observadas nos filmes que foram inscritos na edição deste ano. Por essa razão, o evento traz a temática “chamado realista”, que pautará as discussões ao longo da programação que se encerra no dia 27 de janeiro.
“É uma observação do que os filmes inscritos estavam nos dizendo. Uma certa continuidade daquilo que começamos a moldar em 2017, que é, em alguma medida, o cinema como retrato da nossa vida cotidiana, representando nas telas um pouco das crises políticas e sociais, a questão da representatividade das minorias”, diz a coordenadora-geral da mostra, Raquel Hallak.
Na 20ª edição, realizada no ano passado, o tema abordado foi “cinema em reação, cinema em reinvenção”. Especialistas convidados discutiram os desafios de se fazer cinema em um período de crise econômica e política.
Cléber Eduardo, que neste ano divide a curadoria de longa-metragem com Lila Foster, destaca que o chamado realista não envolve apenas filmes que trazem questões políticas e sociais. “É um tipo de cinema que não necessariamente está reportando o que acontece na esfera macro, na esfera política, na esfera dos noticiários. Não há essa relação direta. Quando falamos dessa chamada realista, também estamos falando de filmes onde as questões são muito individuais. É menos uma questão de tema e mais de como você se aproxima de certas personagens, de certos ambientes, de certas situações. Eu posso fazer, por exemplo, um filme realista sobre brincadeira de criança, onde nenhuma questão social vai estar explícita”.
Ele destaca a importância dos procedimentos cinematográficos. “Se é uma direção de arte realista, você quer que ela seja crível, verossimilhante. Ela tem que estar adequada ao espaço social da personagem. Se ela não é realista, há muito mais liberdade. Se está dentro do pressuposto do código realista, muito dificilmente você vai usar uma fotografia com filtros vermelhos ou amarelos. A interpretação dos atores dificilmente será teatral, exagerada, excessiva. Será mais recuada, pensando as personagens como seres humanos. Se vai fazer uma ficção onde está querendo se aproximar das convenções realistas, você tentará mostrar que aquilo que você filmou é possível na vida, e isso reivindica uma série de procedimentos”, acrescenta.
Segundo Cléber Eduardo, o que se observa na produção brasileira recente não se trata de um realismo puro, a exemplo de correntes clássicas do cinema, mas de uma interação com o real que está indo em diversas direções. Ele avalia que há filmes que ilustram a realidade sem intervir no que é observado e outros que se contaminam por aquilo que filma e reinventam as dinâmicas sociais. O curador disse que o grande desafio era a abertura para a heterogeneidade das intenções dos proponentes dos filmes em estabelecer essa relação com as questões que existem anterior ao filme.
Entre os curtas-metragens, houve 772 curtas inscritos, dos quais 72 foram escolhidos. Um dos três curadores, Francis Vogner dos Reis, avalia que devido ao grande volume de produções, qualquer diagnóstico mais preciso sobre o cinema brasileiro precisa levar em conta os curtas-metragens. Ele lembra que a primeira vez que participou do evento, há cerca de dez anos, os filmes em geral tinham outras características.
“Era muito forte a presença de produções que tentavam trabalhar elementos de estilos e códigos contemporâneos. Filmes relacionados às artes visuais, a um universo imagético. E eu me lembro de ter uma conversa com um crítico, de que não via nos filmes discussões sobre o momento do país. Era um diagnóstico de uma demanda. De lá pra cá, cada vez mais os filmes foram se aproximando de um recorte que tentava entender experiências contemporâneas de país. Algumas experiências muito particulares relacionadas a etnia e ao gênero ou a traumas históricos”, avalia.
Para Camila Vieira, outra curadora de curtas-metragens, a conexão com a realidade não pressupõe necessariamente um engajamento. “Nessa curadoria, nós percebemos filmes que não se enjagam com o real e sim que provocam tensão com o real. Um deles, por exemplo, parte de um certo dado concreto a respeito de um município do interior de São Paulo com o menor número de habitantes do país. E também usa um texto real publicado nas redes sociais pelo prefeito. Mas houve uma reelaboração desse texto, que é dito por um ator. Então há um tensionamento a ponto de você pensar que este Brasil que o filme tenta dar conta é real, mas também é inventado. É quase uma situação de um Brasil que não existe”.
A Mostra de Cinema de Tiradentes é responsável por abrir anualmente o calendário audiovisual brasileiro, o que faz com que suas discussões influenciem outros festivais ao longo do ano. O evento é produzido pela Universo Produções, com o apoio do Ministério da Cultura. Nesta edição, é comemorado também o aniversário de 300 anos da cidade mineira. Ao longo de nove dias de programação, serão exibidos 102 filmes, sendo 72 curtas-metragens e 30 longas. Há ainda debates, intervenções e performances artísticas, apresentações musicais e outras atividades, todas gratuitas.
*O repórter viajou a convite dos organizadores da 21º Mostra de Cinema de Tiradentes