Se o PT decidir de fato seguir em frente com o plano de prolongar ao máximo a candidatura formal do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao Palácio do Planalto neste ano, o caminho pode estar na combinação entre prazos da legislação eleitoral e recursos a órgãos internacionais.

Diante da decisão do partido de enquadrar dirigentes para evitar que falem abertamente sobre um plano B, especialistas ouvidos pelo Broadcast Político entendem que medidas como um recurso baseado no Pacto de San José da Costa Rica poderiam dar sustentação à estratégia.

Ratificado pelo Brasil em 1992, o tratado de 1969 estabelece que só pode ser impedido de se candidatar aquele que já esgotou todos os recursos possíveis. Na prática, sob a presunção de inocência, o acordo permite que uma pessoa concorra mesmo com uma condenação em segunda instância, como é o caso de Lula.

O entendimento contradiz a Lei da Ficha Limpa, que proíbe a candidatura de políticos condenados por um órgão colegiado, lembra o advogado Fernando Neisser, presidente da Comissão de Direito Eleitoral do Instituto de Advogados de São Paulo (IASP).

“A jurisprudência da Corte internacional foi no sentido de dizer que as leis dos países que dizem algo diferente do tratado – como é o caso da Ficha Limpa – violam o pacto”, explica Neisser. “O STF está submetido à autoridade da Corte. Para fins de interpretação do tratado, ela é a última instância”, diz.

Na prática, entretanto, quem decide sobre o cumprimento de decisões de cortes internacionais é o próprio STF. Neisser reconhece também que ninguém no Brasil nunca recorreu a uma corte internacional em um caso semelhante ao de Lula.

O advogado Cristiano Vilela, membro da Comissão Eleitoral do IASP, acredita que é pouco provável que o Brasil acate alguma decisão da corte internacional, visto que hoje o entendimento do STF é de que a Lei da Ficha Limpa deve ser mantida. Para ele, seria mais inteligente para o PT tentar alguma solução com “remédios nacionais” na própria Justiça Eleitoral.

Pela norma eleitoral, o PT pode registrar a candidatura no Tribunal Superior Eleitoral (TSE)até o dia 15 de agosto. Assim, caberá à Justiça Eleitoral aceitar a candidatura do petista, que desde 7 de abril está preso pelo caso do tríplex no Guarujá (SP). Até que o TSE julgue a chapa, Lula poderá aparecer na propaganda eleitoral, que começa no dia 16 de agosto.

A campanha eleitoral no Brasil começa junto com os julgamentos das chapas, explica o professor de Direito Eleitoral na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Carlos Gonçalves Junior. “É uma patologia em nosso sistema”, avalia o advogado. O tribunal pode, por sua vez, barrar a candidatura do petista, alegando que ele não se enquadra como Ficha Limpa. “A Justiça Eleitoral não faz nenhuma análise prévia. Para Lula se tornar de fato inelegível, ele tem que ser registrado como candidato”, explica Vilela.

Como o trâmite legal costuma demorar, o rosto do petista pode até aparecer nas urnas, mas os votos seriam zerados, caso o TSE optasse por invalidar a candidatura.

Troca-troca

Outra possibilidade para o partido é levar ao último prazo a data para a troca de candidato, que acontece a até 20 dias antes da eleição, em 17 de setembro. Assim, o PT pode cadastrar Lula em agosto e, se tiver a candidatura for barrada pelo TSE, o partido substitui por outro candidato.

“Isso poderia ser usado como estratégia para vincular a imagem do sucessor à imagem de Lula e tentar capitalizar um número maior de votos, visto o prestígio que Lula tem”, diz Vilela.

Por fim, o partido pode utilizar essa mesma data e fazer o oposto: cadastrar um candidato e, no último dia, trocar o nome para o de Lula. Com essa jogada, avaliam os advogados, seria muito difícil que o TSE tivesse tempo hábil para julgar o caso do Lula, já que faltarão 20 dias para o 1º turno das eleições. “Muito provavelmente, seria impossível o TSE julgar o caso antes do primeiro turno por uma mera somatória dos prazos”, explica Neisser.

“Se Lula chega até o dia da eleição sem que o Tribunal tenha dito nem que sim nem que não para sua candidatura, os votos são computados”, explica Neisser. E caso o TSE decida por invalidar a candidatura de Lula depois da eleição, é possível até convocar novas eleições. Nesse caso, porém, o partido não poderia mais substituir Lula por outro candidato e acabaria por ficar de fora da eleição.

Plano arriscado

Na visão de cientistas políticos, a estratégia de prolongar a candidatura de Lula até o último minuto é arriscada. O professor da Universidade de Brasília (UnB) David Fleischer avalia que a situação do PT é “crítica” porque o partido não conseguiu eleger muitos prefeitos nas últimas eleições – o que tende a reduzir o número de deputados, senadores e governadores eleitos nesta eleição.

Para Fábio Wanderley Reis, professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), “o PT não quer largar mão do grande líder do partido”, mas a insistência pode prejudicar ainda mais a legenda. “Se há disposição a optar por outra candidatura que não a do Lula, não vejo razão para que seja especificamente do PT”, diz o cientista.