05/05/2019 - 9:54
O preço do gás natural é apontado como um dos entraves para o ganho de competitividade da indústria nacional. Dependente em grande medida da importação de gás boliviano, o Brasil terá de se debruçar sobre uma das máximas da economia para enfrentar os preços elevados: equilibrar a oferta interna com a demanda. O desafio poderá ser enfrentado tanto com o desenvolvimento de novas áreas de exploração de petróleo e gás, como o pré-sal, quanto com a exploração de gás não convencional, que poderá ampliar a reserva provada hoje no Brasil. Com isso, a oferta poderá crescer e, em um segundo momento, os preços do insumo poderão cair.
O problema é que, para o mercado caminhar para esse cenário, o País deverá tomar uma decisão em relação à sua política energética. O fato é que uma modificação nos preços, tão aguardada pela indústria, não deverá ser visualizada no curto prazo.
Atualmente, os olhares do mercado, em especial os dos maiores consumidores de gás, estão voltados para a conquista de autossuficiência de gás pelos Estados Unidos por meio da exploração do gás de xisto (shale gas), que é uma rocha rica em gás, óleo e petróleo não convencionais. O resultado foi uma queda brusca nos preços nos EUA. A revolução foi tamanha que o país já se prepara para exportar o produto. “Para se aumentar a oferta e assim reduzir os preços é preciso ter mais produção. No mercado dos Estados Unidos isso foi bem claro”, destacou a especialista do setor Ieda Gomes, da Energix Strategy. De acordo com dados da Agência Internacional de Energia (AIE), o Brasil é o 10.° colocado na lista de maiores reservas de gás de xisto estimadas por país, com 226 trilhões de pés cúbicos. “Mesmo se tivermos 10% de sucesso já dobraríamos a reserva provada de gás no Brasil”, frisa Ieda.
Embora o gás de xisto seja, de fato, apontado como uma possível solução para o déficit de gás nacional, o assunto ainda gera muitas controvérsias. A especialista da Energix Strategy lembra que uma das preocupações gira em torno da forma de extração do gás da rocha, por meio de um processo de fraturamento hidráulico. Esse método é apontado como arriscado por causa de uma possível contaminação do lençol freático pelo próprio gás ou pelos produtos químicos utilizados no processo.
Independente do aumento de produção brasileira ocorrer por meio da exploração do xisto ou por outras vias, o fato é que uma redução dos preços dependerá de uma ampliação da oferta. “Existe uma visão mistificada de que o preço da energia se define em ‘canetadas’. O preço da energia é determinado por fundamentos econômicos”, frisa o sócio da Booz&Company, Arthur Ramos. Para o especialista, um dos principais desafios para o Brasil é aumentar, além da oferta, o número de participantes do mercado.
“Precisamos ter uma perspectiva de uma oferta interna”, disse. Hoje aproximadamente 50% do consumo brasileiro de gás é dependente do gás oriundo da Bolívia. Aqui, os preços praticados sofrem, ainda, com a oscilação do petróleo no mercado internacional e, ainda, com a volatilidade cambial. Atualmente, o gás é precificado com base em uma cesta de óleos, cotada em dólar, acrescida de uma parcela correspondente ao transporte, fixada em reais e corrigida anualmente pelo IGP-M.
Para a diretora presidente da Agência Reguladora de Saneamento e Energia do Estado de São Paulo (Arsesp), Sílvia Calou, a perspectiva para aumento da oferta brasileira é positiva, apesar desse cenário ser de médio para longo prazo. “Temos de começar a pensar no gás de uma forma mais ampla e integrada à matriz de energia elétrica. As expansões precisam ser economicamente viáveis e, para isso, o consumo precisa de âncoras, como as termoelétricas, a cogeração, o uso do gás natural veicular e o uso pelas próprias indústrias”, disse.
Uma manifestação da própria indústria consumidora de gás deverá impulsionar uma tomada de decisão por parte do governo, lembra Calou. “A agência está esperando uma movimentação grande da área de gás para aumentar a oferta e, com isso, esse mercado se desenvolver”, afirmou. “Hoje o setor depende da política de preços da Petrobras. Não há uma concorrência na oferta”, destaca. A estatal brasileira é a única fornecedora de gás natural no Brasil.
A sócia diretora da Gas Energy, Sylvie D’Apote, acrescenta que o setor de gás como um todo é fortemente dependente da Petrobras, que atua em todos os elos da cadeia – produção, transporte e distribuição – e ainda no consumo, por meio de suas refinarias e termoelétricas. “Numa situação assim, deveria haver uma regulação forte, mas no Brasil o preço do gás foi liberalizado – junto com outros combustíveis líquidos – e, por se tratar de uma empresa só, os preços tipicamente mais altos”, disse.
Segundo ela, até que existam outros produtores e os consumidores livres – grandes consumidores de gás que negociam seu suprimenro diretamente com fornecedores, pagando apenas uma tarifa pelo transporte – os preços tendem a seguir elevados. “Na produção, a liberalização foi feita dez anos atrás, e hoje já existem 70 empresas neste segmento, muitas delas associadas à Petrobras, prospectando gás e fazendo a descobertas”, lembrou, salientando que embora ainda hoje não haja um fornecedor alternativo à Petrobras, em breve novos produtores devem iniciar sua produção, como a OGX, no Maranhão
Para elevar a competitividade do setor de gás no Brasil, novos investimentos em infraestrutura de gasodutos também deverão ser feitos e esse movimento também dependerá do aumento de volume de produção. “O Brasil tem potencial para crescer em gás, mas terá que ter investimentos. É preciso começar na produção. Ninguém irá construir uma rede sem o produto”, disse Ramos, da Booz & Company. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.