24/06/2021 - 13:12
O Canadá voltou a ser abalado nesta quinta-feira (24) pela descoberta de centenas de sepulturas anônimas no local de um antigo internato para indígenas administrado pela Igreja Católica, menos de um mês após os restos mortais de 215 crianças terem sido encontrados em outro centro semelhante.
Líderes comunitários e a Federação de Nações Indígenas Soberanas de Saskatchewan anunciaram hoje, em entrevista coletiva, que há mais de 750 túmulos perto do antigo internato de Marieval, na província de Saskatchewan.
“Até ontem, encontramos 751 sepulturas sem nome”, disse à imprensa o chefe da Primeira Nação de Cowessess, Cadmus Delorme, esclarecendo que não se tratava de uma vala comum.
Na quarta-feira (23) à noite, a comunidade de Cowessess tomou conhecimento da “descoberta horrível e chocante de centenas de sepulturas não marcadas”, durante escavações ao redor da escola residencial. A instituição fica cerca de 150 km a leste de Regina, capital de Saskatchewan.
Em torno de de 150 mil crianças nativas, mestiças e inuítes foram recrutadas à força até a década de 1990 em 139 desses internatos em todo país. Neles, foram isoladas de suas famílias, idioma e cultura.
Muitas delas foram submetidas a maus-tratos e a abusos sexuais nesses centros educacionais, onde mais de 4 mil estudantes foram mortos, segundo uma comissão de investigação que concluiu que o Canadá cometeu um verdadeiro “genocídio cultural”.
As escavações perto da antiga escola de Marieval começaram no final de maio, após a descoberta dos restos mortais de 215 alunos enterrados no local de outro colégio interno em Kamloops, na Colúmbia Britânica.
– “Trágico, mas não surpreendente” –
Essa descoberta chocou o Canadá e reabriu o debate sobre essas instituições para onde as crianças indígenas eram enviadas para serem assimiladas à cultura dominante.
Também reviveu os apelos ao papa e à Igreja por desculpas pelos abusos e pela violência infligida aos alunos. O sumo pontífice se recusou a se desculpar, gerando frustração e raiva nas comunidades indígenas canadenses.
Enquanto isso, especialistas em direitos humanos da ONU pediram a Ottawa e ao Vaticano para realizar uma investigação rápida e completa sobre a gestão desses internatos.
“É absolutamente trágico, mas não surpreendente”, tuitou Perry Bellegarde, chefe da Assembleia das Primeiras Nações, que representa mais de 900 mil indígenas no Canadá.
O internato de Marieval, no leste de Saskatchewan, recebeu crianças nativas entre 1899 e 1997 antes de ser demolido dois anos depois e substituído por uma escola diurna.
Perguntado pela emissora CBC, Barry Kennedy, um ex-residente do internato de Marieval, considerou que esta nova descoberta é apenas a ponta do iceberg.
“Eu imagino, você sabe, pelas histórias que nossos amigos e colegas nos contavam, que existem vários lugares, pela escola”, explicou ele.
“Eu tinha um amigo que foi arrastado para fora uma noite, ele estava gritando”, lembrou, contando que nunca mais o viu. “Seu nome era Bryan… Eu quero saber onde Bryan está”.
“Descobrimos o estupro (…) os espancamentos. Eles nos fizeram descobrir coisas que não eram normais em nossas famílias”, acrescentou Kennedy.
Após a descoberta dos restos das crianças na escola de Kamloops, escavações foram iniciadas em vários desses antigos internatos em todo Canadá, com a ajuda das autoridades governamentais.
Os líderes das comunidades autóctones aguardam descobertas mais horrendas nos próximos meses.