21/04/2022 - 16:32
Em contagem regressiva, o retorno das escolas de samba do grupo especial de São Paulo ao sambódromo do Complexo do Anhembi ocorre nesta sexta-feira, 22, e sábado, 23, após mais de dois anos. Os desfiles de carnaval apresentarão diversidade de enredos: haverá homenagens a personalidades das artes e até da internet, narrações de episódios históricos, críticas à situação do País e celebrações da negritude e diversidade religiosa, dentre outros.
Um dos desfiles que deve trazer críticas sociais mais acentuadas é o da Gaviões da Fiel, com o enredo “Basta!”, sobre as desigualdades sociais. O samba eleito foi agrupado a partir de duas composições, uma composta por uma turma liderada pelo humorista Marcelo Adnet, que fala em “pátria-mãe hostil” e “senzala Brasil”.
Há referências a Nelson Mandela e ao Cacique Raoni. “Um enredo crítico contra os abismos sociais do país. É um grito entalado na garganta. Um samba que passeia por muitos assuntos no pouco tempo que ele poderia ter. A harmonia é valente, aguerrida e emocionante”, comentou à reportagem.
Da ala paulistana do samba-enredo (que tem 22 autores), está o compositor Morganti, corinthiano e ligado à escola desde 2013. É deste grupo o refrão principal: “Escute o meu clamor/ Oh, pátria amada/ É hora da luta sair do papel/ Basta é o grito que embala o povo.” “O verso ‘a hora da luta sair do papel’ é o que representa o enredo. Será o momento em que a escola dará seu grito”, explica Morganti. A Gaviões desfilará a partir das 23h35 do sábado.
Um dos presidentes da Acadêmicos do Tatuapé, Eduardo Santos considera que o carnaval será uma grande homenagem às vítimas da covid-19, mesmo sem fazer menções diretas. “Vamos celebrar o fato de estarmos vivos e homenagear a todos que não tiveram a mesma oportunidade. Esse talvez seja o grande pano de fundo de tudo que vai acontecer nesse carnaval totalmente atípico.”
Santos avalia que os enredos deste ano terão a religiosidade como um elemento presente, o que avalia como uma influência da pandemia. “Muitas escolas estão resgatando um pouco dessa parte da emoção, relacionando os seus temas a essa questão mais de religiosidade, aos cuidados, à sabedoria, a coisas mais místicas”, avalia.
Na Acadêmicos do Tatuapé, por exemplo, um Preto Velho (entidade da umbanda) chegará no abre-alas para contar a trajetória do café, despedindo-se ao fim do desfile nos braços de Iemanjá. “Todos (os desfiles) têm uma mensagem de vamos ficar juntos, vamos se cuidar, porque ninguém está cuidando de nós.” O desfila começa às 3h55 de sexta.
Jairo Roizen, diretor de carnaval da Colorado do Brás, avalia que este carnaval terá duas vertentes principais. A primeira é de celebração à vida, enquanto a segunda é a da luta contra o racismo e o preconceito. “O nosso enredo fala sobre uma pessoa que passou por muito preconceito. Ele fala: não duvide da bravura da mulher negra.”
A escola contará a trajetória da escritora Carolina Maria de Jesus, que morou em uma favela nas proximidades da quadra da escola. “É uma personagem muito próxima da nossa escola, da nossa realidade”, comenta Roizen.
Com início às 23h35 de sexta, o desfile contará a história da escritora como o de uma “Cinderela negra do Canindé”, que receberá até um sapatinho de cristal. O abre-alas foi forrado com duas toneladas de papelão, para lembrar o período em que Carolina foi catadora do material. Na comissão de frente, a escritora virará uma princesa em meio a um baile antigo, durante o qual também serão feitas coreografias típicas da rede social TikTok.
Roizen comenta que o desfile será em homenagem especialmente a dois nomes históricos da escola: dona Nalvinha, uma das lideranças das baianas, e o diretor de bateria Carlinhos Sebastian (que também será lembrado em estampas nos instrumentos), vitimados pela covid-19 em maio de 2020. “Mas o samba-enredo será alegre, para cima.”
Além de figuras históricas, o carnaval paulistana também homenageará uma personalidade das redes sociais: o influenciador digital Carlinhos Maia será homenageado pela escola Império de Casa Verde. Segundo o carnavalesco Leandro Barbosa, o enredo contará a trajetória da comunicação desde o sinal de fumaça até os nomes populares da internet, como o homenageado, que estará no último setor do desfile, em um carro interativo, que exibirá mensagens de espectadores em oito celulares gigantes. O desfile encerrará o grupo especial, às 5 horas, de sábado.
Como outras escolas, alguns detalhes do desfile mudaram ao longo dos mais de dois anos. A ideia dos telões com mensagens (algumas com menções à superação, em referência à pandemia), por exemplo, surgiu há um mês e foi testada nesta semana. “A expectativa está sendo muito grande, é um carnaval de dois anos. Até 15 dias atrás, a gente ficava naquela ‘será que vai acontecer mesmo ou não vai'”, descreve Barbosa. “Será leve. A gente não queria trazer esse peso do sofrimento.”
Cristiano Bara, carnavalesco da Unidos de Vila Maria, faz menção semelhante ao mix de emoções, que também envolve a perda da mãe, Estelita, há quase uma semana, que pretendia desfilar pela primeira vez. “Recebi um carinho sem tamanho, e é isso que pede esse enredo. O samba falava de abraçar, do amor pelo carnaval, à vida, às pessoas”, comenta. “Vai ser o carnaval da vida da gente, de ter ganhado a segunda chance.”
Marcado para as 2h50 desta sexta, o desfile abordará a coletiva e solidariedade. Em uma parte, falará sobre os “destemidos”, como os profissionais da educação e saúde. Em outra, mostrará uma grande favela, em um retrato sobre a cultura local, como o samba, o funk e a gafieira. “Vai ser um carnaval de sensações.”
Saiba como serão os desfiles do grupo especial de São Paulo
Ao todo, serão sete escolas por dia, com desfiles iniciados entre as 22h30 e 5 horas do dia seguinte. A Acadêmicos do Tucuruvi e o Vai-Vai retornam ao grupo especial na noite de sexta-feira e sábado, respectivamente, após um ano no Acesso I, enquanto a atual campeã, a Águia de Ouro, passará pelo Anhembi na madrugada de domingo, à 1h45.
Na sexta-feira, a Acadêmicos do Tucuruvi dará início aos desfiles do grupo especial com um enredo sobre o passado, o presente e o futuro do carnaval. Depois, a Colorado do Brás contará a trajetória da escritora Carolina de Jesus, seguida da Mancha Verde com “Planeta Água” e da Tom Maior com uma transposição da história de “O Pequeno Príncipe” para o sertão nordestino, inspirada em um cordel de Josué Limeira e Vladimir Barros.
Na sequência, a Unidos de Vila Maria fará um desfile de reflexão sobre a solidariedade e a coletividade e a Acadêmicos do Tatuapé traçará a trajetória do café no Brasil a partir da perspectiva de um Preto Velho. Por fim, a Dragões da Real abordará a vida e a obra do compositor Adoniran Barbosa, com um dos netos do artista (Alfredo Rubinato) entre os onze autores do samba-enredo.
No sábado, o Vai-Vai retorna ao grupo especial com o enredo “Sanfoka” sobre a ave sagrada africana que simboliza que nunca é tarde para voltar e buscar o que ficou esquecido. Na sequência, a Gaviões da Fiel trará o seu desfile engajado, batizado de “Basta!”, que narrará a desigualdade social em diferentes aspectos.
Terceira a entrar no sambódromo no sábado, a Mocidade Alegre mostrará a trajetória da cantora Clementina de Jesus, seguida da atual campeã, Águia de Ouro, que promete um cortejo de exaltação à diversidade étnica e cultural brasileira e contra a intolerância religiosa.
Depois, a Barroca Zona Sul falará sobre o Zé Pilintra, o malandro-boêmio considerado como entidade por religiões brasileiras de matriz africana, enquanto a Rosas de Ouro vai abordar os rituais e caminhos para a cura dos males – pelas mãos, pela alma ou pela mente. O fechamento será com a Império de Casa Verde, que abordará o “o poder das comunicações”, com o influenciador digital Carlinhos Maia como homenageado.
Diante dos adiamentos impostos pela pandemia, o carnaval deste ano será uma virada de página, com número de componentes cerca de 25% menor, o que também impactou na quantidade de carros alegóricos e alas. As demais regras de transição que chegaram a ser acordadas, como o uso de máscaras, foram abolidas após a redução nas taxas de transmissão da covid-19 e as flexibilizações.
Os ingressos de sábado estão esgotados para a arquibancada e parte dos camarotes, enquanto ainda há opções à venda para quase todos os setores de sexta-feira, exceto o E. Os valores vão de R$ 90 (setor F da arquibancada) a R$ 650 (camarotes). O desfile do Acesso I ocorre nesta quinta-feira, 21, enquanto o Acesso II foi no sábado passado, 16.
Confira abaixo a ordem dos desfiles e os respectivos sambas-enredo:
22 de abril (sexta-feira)
22h30 – Acadêmicos do Tucuruvi
Reflexões sobre o passado, presente e futuro do carnaval, como aponta o título: “Carnavais… De lá pra cá, o que mudou? Daqui pra lá, o que será?”
23h35 – Colorado do Brás
Escritora é homenageada no enredo “Carolina de Jesus – A Cinderela negra do Canindé”.
0h40 – Mancha Verde
Enredo “Planeta Água” abordará recurso natural, tanto como essencial à vida quanto elemento protagonista em diversas religiões.
1h45 – Tom Maior
Enredo “O Pequeno Príncipe no Sertão” transporta personagens do livro para o nordeste brasileiro, com inspiração na obra “O pequeno príncipe em cordel” (de Josué Limeira e Vladimir Barros).
2h50 – Unidos de Vila Maria
Desfile propõe uma reflexão sobre a solidariedade e a coletividade.
3h55 – Acadêmicos do Tatuapé
Enredo traça a trajetória do café no Brasil a partir da perspectiva de um preto velho.
5h00 – Dragões da Real
Vida e a obra de Adoniran Barbosa, com samba-enredo de onze compositores, incluindo um neto do sambista, Alfredo Rubinato.
23 de abril (sábado)
22h30 – Vai-Vai
Retorno ao grupo especial terá a ave sagrada africana “sankofa” como inspiração, pelo simbolismo de que nunca seria tarde para voltar e buscar o que ficou esquecido.
23h35 – Gaviões da Fiel
Enredo “Basta!” aborda a desigualdade social em diferentes aspectos.
0h40 – Mocidade Alegre
Desfile contará a trajetória e obra da cantora Clementina de Jesus.
1h45 – Águia de Ouro
Atual campeã promete um cortejo de exaltação à diversidade étnica e cultural brasileira e contra a intolerância religiosa.
2h50 – Barroca Zona Sul
Enredo enfoca o Zé Pilintra, o malandro-boêmio considerado como entidade por religiões brasileiras de matriz africana.
3h55 – Rosas de Ouro
Rituais e caminhos para a cura dos males – pelas mãos, pela alma ou pela mente – guiarão o desfile.
5h00 – Império de Casa Verde
Desfile viaja dos “primórdios da humanidade” até os influenciadores digitais para falar sobre “o poder das comunicações”, com o influenciador digital Carlinhos Maia como homenageado.