09/01/2023 - 1:26
Por Adriano Machado, Ricardo Brito e Lisandra Paraguassu
BRASÍLIA, 8 Jan (Reuters) – Apoiadores radicais do ex-presidente Jair Bolsonaro invadiram e depredaram, neste domingo, os prédios do Palácio do Planalto, do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Congresso Nacional em Brasília, num eco da invasão do Capitólio norte-americano por apoiadores de Donald Trump em 6 de janeiro de 2021.
Não havia informação imediata sobre mortos e feridos, mas bolsonaristas do movimento que pede um golpe contra Luiz Inácio Lula da Silva deixaram um rastro de destruição na Esplanada dos Ministérios, levando o presidente empossado há apenas uma semana a decretar uma intervenção na segurança pública do Distrito Federal.
Horas depois, o ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes, determinou o afastamento do governador do DF, Ibaneis Rocha, por 90 dias. Moraes, à frente de um inquérito que há dois anos investiga os chamados atos antidemocráticos ligados a bolsonaristas, também determinou a dissolução em até 24 horas de acampamentos em imediações militares que pedem uma ilegal intervenção das Forças Armadas contra Lula.
Vestidos de verde amarelo, grupos de bolsonaristas facilmente derrubaram grades de segurança no começo da tarde de domingo até alcançar o Palácio do Planalto, testemunhou a Reuters, onde quebraram vidros e subiram até pelo menos o terceiro andar, na antessala do gabinete presidencial.
Os invasores jogaram cadeiras usadas nas cerimônias pelas janelas no espelho d’água, e obras de arte foram derrubadas e cortadas, gabinetes invadidos e móveis quebrados. No terceiro andar, quebraram uma mesa de vidro em que ficam guardados presentes recebidos pelos presidentes de chefes de Estado, mas não teriam chegado ao gabinete presidencial.
Em um vídeo, o ministro da Secretaria de Comunicação da Presidência, Paulo Pimenta, mostrou a destruição no Planalto. “É uma coisa criminosa, revoltante o que foi feito aqui”, disse. Em outro vídeo, ele mostrou malas vazias que guardavam armas do Gabinete de Segurança Institucional (GSI). “Armas letais e não letais foram roubadas pelos criminosos de dentro do Palácio do Planalto”.
No Congresso, manifestantes sentaram na mesa do presidente da Câmara, mostraram imagens da TV. No Supremo, chegaram até ao plenário, onde acontecem os julgamentos, até serem retirados pela segurança, em cenas de vandalismo e violência sem precedentes na capital desde a redemocratização.
“Todas as pessoas que fizeram isso serão encontradas e serão punidas”, afirmou Lula em pronunciamento à imprensa, na qual disse que os manifestantes têm inspiração fascista e são antidemocráticos.
Bolsonaro, que jamais reconheceu cabalmente a vitória do petista e fez gestos de estímulo ao movimento pró-golpe que surgiu desde então, está na Flórida desde 30 de dezembro.
“Esse genocida não só provocou isso, não só estimulou isso, como, quem sabe, está estimulando ainda pelas redes sociais, lá de Miami”, disse Lula, referindo-se ao ex-presidente, que, na verdade, está na cidade de Orlando.
Bolsonaro ficou em silêncio por quase seis horas sobre o caos em Brasília antes de postar no Twitter que repudia as acusações de Lula contra ele.
O ex-presidente, que falou raramente em público desde que perdeu a eleição, também disse que manifestações pacíficas fazem parte da democracia, mas invadir e danificar prédios públicos “foge à regra”.
A violência em Brasília pode ampliar os riscos jurídicos que Bolsonaro enfrenta. Também representa uma dor de cabeça para as autoridades dos EUA que debatem como lidar com sua estadia na Flórida. Proeminentes parlamentares democratas disseram que o país não pode mais conceder “refúgio” a Bolsonaro no país.
O advogado da família Bolsonaro, Frederick Wassef, não respondeu a um pedido de comentário.
CRISE ANUNCIADA
Lula estava fora de Brasília, em agenda na cidade de Araraquara, no interior de São Paulo, onde originalmente falaria sobre os estragos causados pelas fortes chuvas na região, quando começaram as invasões às sedes dos Poderes na capital.
De lá, o presidente viu a crise eclodir, atraindo críticas imediatas para as forças de segurança e inteligência do Distrito Federal, que foram incapazes de prevenir os ataques articulados de maneira pública em redes sociais nos últimos dias e semanas.
Por volta das 18h30, cerca de três horas após os primeiros relatos de invasão, as forças de segurança finalmente retomaram os três prédios ocupados pelos manifestantes, de acordo com imagens de TV.
Quase duas horas depois, policiais lançavam bombas de efeito moral para dispersar os manifestantes. Mais de 300 pessoas foram presas, de acordo com a Polícia Civil do Distrito Federal.
Quando a situação foi controlada pelas forças de segurança, Lula foi ao Planalto de helicóptero, acompanhado de ministros, para fazer uma vistoria, informou a Secretaria de Comunicação da Presidência. Ele também esteve no STF, e na segunda-feira receberá os governadores dos Estados para uma reunião.
O ministro da Justiça, Flávio Dino, disse que todas as pessoas que participaram dos atos, que ele chamou de “terroristas”, serão presas e enfrentarão penas que podem ultrapassar os 20 anos.
“As pessoas que participaram desses atos, onde estiverem, serão presas em flagrante”, afirmou em entrevista coletiva o ministro, que chamou as invasões e depredações de “terrorismo” e “golpismo”.
“CAPITÓLIO À BRASILEIRA”
Além de pequenos contingentes próprios, as sedes dos Três Poderes é resguardada pelas forças de segurança do Distrito Federal, onde fica Brasília, sob o comando de Ibaneis, um aliado de Bolsonaro que acomodou na secretaria de Segurança do DF Anderson Torres, que foi até dezembro ministro da Justiça da gestão bolsonarista.
Em meio à crise, Ibaneis disse à Reuters que estava colocando todo o contingente de segurança para combater as invasões. Depois, demitiu Torres, horas antes de Lula decretar intervenção federal nas forças de segurança do DF, intensificando a ação da polícia para retomar o controle dos prédios públicos.
Mais tarde, Ibaneis pediu desculpas a Lula e aos presidentes do Congresso e do STF pelas invasões.
Enquanto nas primeiras horas da crise autoridades dos Três Poderes cobravam uma reação dura das forças de segurança pública, sem efeito maior, o procurador-geral da República, Augusto Aras, determinou a imediata abertura de um inquérito criminal para responsabilizar os envolvidos.
A Advocacia-Geral da União (AGU) pediu ao STF a prisão do ex-secretário do DF, que viajou para Orlando, nos Estados Unidos, antes das invasões. Anderson Torres disse, no Twitter, lamentar as “hipóteses absurdas” de que ele teria sido conivente com os ataques.
“O que está acontecendo em Brasília hoje não é opinião divergente, mas um ataque à democracia”, escreveu no Twitter Alexandre Padilha, ministro das Relações Institucionais, que informou que estava reunido com Dino e em contato com os comandos da Câmara e do Senado.
Dino tem sido das vozes mais duras contra os movimentos bolsonaristas radicais. Parte deles está acampada há semanas em frente ao Quartel General do Exército, em Brasília –além de em outras cidades–, área de perímetro militar, pedindo a reversão da vitória eleitoral de Lula.
Temendo uma piora da situação, Dino havia assinado no sábado uma portaria autorizando o emprego da Força Nacional de Segurança Pública contra os grupos.
A invasão dos prédios dos Três Poderes ocorre dois anos e dois dias depois que apoiadores do então presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, atacaram e invadiram o Capitólio de Washington, sede do Congresso norte-americano, em uma tentativa de impedir a certificação da vitória eleitoral de Joe Biden em 2020.
Bolsonaro, que passou meses atacando sem provas as urnas eletrônicas, tem em Trump um dos seus ídolos políticos e a possibilidade de um “Capitólio à brasileira” foi discutida por meses por analistas políticos e por integrantes da oposição.
O senador Renan Calheiros (MDB-AL) disse que ele e o colega Randolfe Rodrigues (Rede-AP) irão propor uma CPI para “apurar as responsabilidades sobre o mais grave ataque contra a democracia” brasileira. “Assim como foi no Capitólio. Eles não passarão”, disse no Twitter.
As invasões foram amplamente repudiadas por diversos líderes mundiais, incluindo o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, que chamou a situação no Brasil de “ultrajante” e condenou o que disse ter sido um “ataque à democracia”.
Fontes da Petrobras disseram à Reuters que a empresa reforçou a segurança em refinarias após ameaças à segurança, e o Ministério de Minas e Energia disse que o abastecimento de combustíveis e o funcionamento de refinarias estão garantidos.
(Reportagem de Adriano Machado, Ricardo Brito e Lisandra Paraguassu, em Brasília; Letícia Fucuchima, em São Paulo; e Rodrigo Viga Gaier, no Rio de Janeiro; Sabrina Valle, de Houston.)