Milton Friedman, o economista, estatístico e escritor norte-americano, líder da escola de Economia da Universidade de Chicago e ganhador do Prêmio Nobel de Ciências Econômicas em 1976, trouxe um grande estímulo à Supremacia do Shareholder quando, em setembro de 1970, publicou no jornal The New York Times um artigo de grande impacto intitulado “The Social Responsibility of Business is to Increase Its Profits” (“A Responsabilidade Social da Empresa é Aumentar Seus Lucros”).

De forma geral, a principal mensagem do artigo era: “Há uma e apenas uma responsabilidade social da empresa – usar seus recursos e se dedicar a atividades voltadas para aumentar seus lucros, desde que se mantenha no âmbito das regras do jogo, isto é, desde que se dedique à competição aberta e livre sem ludibriar ou praticar fraudes”.

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Dada a importância e liderança de Milton Friedman no mundo econômico, o conceito rapidamente se difundiu por todas as melhores escolas de negócios do mundo. Uma enorme quantidade de executivos e empresários, durante as décadas de 70, 80, 90 e 2000, foram formados e doutrinados à luz do pensamento básico de que “há uma e apenas uma responsabilidade social da empresa: usar seus recursos e se dedicar a atividades voltadas para aumentar seus lucros…”.

Todos os demais stakeholders – colaboradores, governo, meio-ambiente, sociedade etc – seriam beneficiados de uma forma ou de outra, se os interesses dos sharehoders fossem privilegiados.

O maior problema dessa lógica é que criar e fiscalizar regras claras e justas sobre competição, relações de com colaboradores, sustentabilidade ambiental, mecanismos tributários e impactos sociais, não é uma tarefa exequível, principalmente quando diversas jurisdições estão envolvidas. Geramos então uma enorme possibilidade de arbitragem regulatória.

Como consequência desse modelo mental, assistimos nos anos seguintes a uma avalanche de fraudes e crises corporativas que abalaram a economia e, algumas vezes, a fé no Capitalismo. Alguns exemplos: escândalo da Enron em 2001, WorldCom e Tyco em 2002; em 2008 e 2009, instituições financeiras como Lehman Brothers, Bear Sterns, Merrill Lynch, Fannie Mae e Freddie Mac, sem considerar aquelas que foram resgatadas pelos governos, foram varridas do mapa empresarial, criando uma crise econômica em escala mundial, sem precedentes.

Tudo isto aconteceu potencializado pela ganância e por uma convicção intrínseca de que a maximização dos lucros em curto prazo, normalmente avaliados trimestralmente, era o elemento fundamental de geração de valor da economia.

Como consequência, diversos dispositivos legais foram implementados de forma a frear este estado de desequilíbrio intrínseco na economia. Entre outros instrumentos, nasce aqui o G do ESG. A governança corporativa passa a ganhar espaço no cenário empresarial, e o mundo passa a falar não mais na primazia do shareholder, mas, sim, na primazia dos diversos stakeholders que compõem uma organização. Estamos hoje neste caminho.

No entanto, para além dos mecanismos burocráticos de proteção da Governança Corporativa e do ESG como um todo, a primazia dos stakeholders exige dos executivos e empresários uma mentalidade completamente nova, uma visão de que não estamos no jogo para ganhar a qualquer custo, mas sim, para nos mantermos no jogo pelo maior tempo possível. Uma visão do jogo do infinito.

O acadêmico norte-americano, James P. Carse, em seu extraordinário livro de 1987 “Finite and Infinite Games”, foi o primeiro a utilizar a teoria dos jogos para analisar o comportamento humano, quando optamos por um ou outro tipo de abordagem. Basicamente ele coloca que “existem pelo menos dois tipos de jogos: um poderia ser chamado de finito; outro, de infinito. Um jogo finito é jogado com o propósito de vencer, que é quando ele termina. Jogos infinitos são mais misteriosos, seu objetivo não é ganhar, mas garantir a continuação do jogo. As regras podem mudar, os limites podem mudar, até mesmo os participantes podem mudar – desde que o jogo nunca termine.”

Em 2019, Simon Sinek leva definitivamente esse conceito para o mundo empresarial. Em seu livro “O Jogo Infinito”, exortou os jogadores do mundo empresarial a desenvolverem um pensamento infinito, ressaltando que as empresas não deveriam estar constantemente em um jogo finito, buscando resultados de curto prazo (ganhando as partidas) a qualquer preço. Nesse tipo de jogo, bem aos moldes de Milton Friedman, o importante é atingir as metas comprometidas com os acionistas, mesmo que para isto seja necessário acabar com a dignidade dos colaboradores, desgastar o meio-ambiente, ignorar os desequilíbrios sociais, que de forma tão expressiva nos agridem. Este tipo de mentalidade que, ao longo do tempo, destrói a sociedade, infelizmente ainda é prevalente no mundo empresarial.

No modelo de Jogo Infinito, o jogador entende que, sem uma sociedade que busque o equilíbrio, a preocupação com os recursos do meio-ambiente e uma gestão responsável, a empresa poderá ganhar uma ou outra partida, mas não haverá jogo por muito tempo a ser jogado. Vide acima as crises vividas pelos gigantes do pensamento finito.

No mundo atual, transformar-se em um líder infinito exige muito mais do que mudar de atitude. Exige coragem, determinação e convicção de que este é o único caminho. Exige, muitas vezes, desafiar regras muito impregnadas no nosso pensamento empresarial.

Mais do que nunca, nós, empresários, funcionários e acionistas, devemos refletir se é possível pensarmos em proposito e liderança humanizada em uma empresa que ainda joga o Jogo Finito.