26/02/2015 - 19:00
Ao assumir o comando dos supermercados Sonda, de São Paulo, em 2010, o administrador baiano José Barral tinha uma meta definida. Ele queria elevar a participação dos cartões que levam a marca da rede, os chamados private label, nas vendas do grupo, que faturou R$ 3,2 bilhões no ano passado. O objetivo de Barral era repetir o sucesso obtido anos antes com o cartão Mais, na rede Pão de Açúcar. O problema, porém, foi convencer o banco Itaú, então emissor dos cartões do Sonda, a alterar a estratégia que vinha sendo adotada, de modo a turbinar as vendas.
Segundo Barral, o banco havia deixado os supermercadistas menores em segundo plano e relutou em fazer as mudanças pedidas. “Queríamos emitir mais cartões, mas o Itaú, claramente, não estava interessado”, afirma. “Os bancos abandonaram o mercado de private label.” Em 2012, após dois anos buscando um acordo, Barral trocou o Itaú por uma financeira menor, a paulista DMCard. Deu certo. No fim de 2014, o número de cartões emitidos havia duplicado, de 60 mil para 143 mil, e sua participação nas vendas da rede cresceu de 1,8% para 6,3%, no mesmo período.
As reclamações de Barral demonstram claramente como o mercado dos private label mudou nos últimos anos. Eles ganharam força no início dos anos 2000, como substituição ao tradicional crediário, frequentemente o único financiamento ao consumo acessível para clientes sem relacionamentos bancários. A modalidade cresceu bastante no início da década de 2000, e esse crescimento atraiu o sistema financeiro. Instituições como o Unibanco, que comprou o controle da financeira Fininvest em 2001, apostaram pesado nesse negócio.
No fim da década, porém, a fusão com o Itaú e o aumento do acesso da população aos produtos financeiros, especialmente os cartões de crédito, que cresceram 226% entre 2001 e 2008, fizeram com que os private label perdessem força. O Itaú abandonou os private label e passou a emitir cartões co-branded, em parceria com grandes varejistas como Pão de Açúcar, Walmart e Ponto Frio. A diferença entre eles é que os private label só podem ser usados na rede emissora, ao passo que os co-branded são cartões de crédito convencionais. Aceitos em qualquer estabelecimento, eles processam mais transações e aumentam o lucro do banco emissor.
Procurada, a diretoria do Itaú não concedeu entrevista. Essa mudança afetou supermercados de maior porte, como o Sonda, e prejudicou ainda mais as redes menores, que optaram por rediscutir a relação com os grandes bancos. O paulista Rogério Lourencini, presidente do Lourencini Supermercados, que fatura R$ 2,4 milhões por ano, buscou a financeira Losango, vinculada ao HSBC, para expandir a sua operação de private label. Sem resultados. A alternativa foi a emissora independente Sorocred, que assumiu a emissão dos cartões há três anos.
“Percebi que com as instituições tradicionais não íamos ter uma operação eficiente e recorri a uma emissora menor, mas que nos atendia com maior rapidez.” Atualmente, cerca de 1.800 clientes da rede usam o cartão Lourencini. A decisão dos pequenos varejistas de investir em cartões com marca própria tentou resolver dois problemas dos clientes: a dificuldade de obter crédito e os juros altos cobrados pelos bancos. Faz sentido. Menos dinheiro no bolso do freguês significa menos produto passando na caixa registradora do supermercado. “Nosso mercado tem uma dinâmica diferente da do sistema de crédito tradicional”, diz Lourencini.
“Consumidores habituais das nossas lojas frequentemente tinham seu crédito negado pelos bancos.” No que depender dos bancões, os private label devem definhar daqui para a frente. O Bradesco ainda mantém algumas parcerias nesse formato, mas quer migrar para os co-branded. “Ainda temos private label na C&A, em algumas lojas do Cencosud e na Líder, pois são clientes em que as operações compensam”, diz Carlos Giovane Neves, diretor de parcerias da Bradesco Cartões. Segundo Neves, o private label deixou de ser vantajoso para o banco.
“Muitas vezes, o cliente do private label solicitava o cartão somente para aproveitar uma determinada promoção da loja e o utilizava pouco”, afirma. Neves diz que os cartões vinculados a uma bandeira como Visa ou MasterCard são usados com mais frequência. “E temos a vantagem de poder cobrar taxas”, afirma. Por isso, 90% dos cartões emitidos em parcerias são co-branded. O Banco do Brasil, por sua vez, costurou acordos com empresas de benefícios e recompensas, como a Smiles, vinculada à Gol, a BR Distribuidora e a rede de livrarias Saraiva.
De acordo com Raul Moreira, vice-presidente de varejo do BB, o objetivo não é capturar o consumidor final, mas oferecer o serviço aos parceiros. Esse produto é um dos responsáveis, ao lado da emissão de cartões, previdência e seguros, pelo aumento de 26% da receita de prestação de serviços do banco estatal, em 2014. O recuo dos grandes bancos abriu espaço para emissoras menores. A DMCard, que trabalha com o Sonda, e a TOP Card, também de São Paulo, são bons exemplos disso. Na DMCard, o número de clientes dobrou nos últimos dois anos.
“Principalmente mercados e atacadistas passaram a nos procurar, buscando proximidade e mais agilidade nas operações dos cartões”, diz Juan Agudo, sócio-diretor da empresa. No primeiro semestre de 2014, a DMCard teve uma movimentação de R$ 290 milhões em cartões private label. Flávio Almeida, diretor de negócios da TOP Card, explica que os private label continuam sendo uma opção importante de financiamento para o pequeno comércio. “As financeiras menores estão conseguindo preencher o espaço de um produto muito importante para o varejo”, diz Almeida.
Já a paulista Sorocred pretende oferecer três tipos de serviços: emissão de cartões, cadastramento de lojas e administração de sua própria bandeira. “O cliente autônomo e desbancarizado, que não consegue crédito nos grandes bancos, é aprovado com base na relação com nosso cliente varejista”, diz Marcela Vertuan, diretora de cartões da Sorocred, que não divulga números. Outras empresas partiram para uma solução interna. No início dos anos 1990, o grupo atacadista mineiro Martins, de Uberlândia, que fatura R$ 4 bilhões anualmente, criou seu próprio banco, o Tribanco.
A partir de 2001, a instituição financeira passou a emitir cartões private label, e hoje essa é sua principal atividade. O Tribanco possui uma carteira de crédito de R$ 1,1 bilhão que garante pequenas e médias operações para seus clientes. A solução deu tão certo que extrapolou a demanda interna. O Tribanco chegou a emitir 4,5 milhões de cartões, em 2014, para 40 mil varejistas, movimentando R$ 900 milhões. “Os clientes que atendemos querem proximidade.
Eu sento e falo diretamente com os donos e esse tipo de relacionamento nem sempre funciona com as grandes instituições”, diz Ricardo Batista, superintendente de risco de crédito corporativo do Tribanco. O mercado é amplo. A estimativa da Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços (Abecs) é de que a movimentação anual dos private label e dos co-branded passe dos R$ 60 bilhões de 2014, para R$ 293 bilhões por ano, em 2022, um avanço de 22% ao ano. O total de operações deve crescer 17% ao ano e atingir três bilhões de transações em 2022.