Na última década, mais de um milhão de sírios fugiram para o Líbano. Agora, bombardeios israelenses provocam fluxo reverso, com milhares preferindo voltar para a Síria do ditador Assad.Nos últimos três dias, mais de 30.000 pessoas já teriam cruzado a fronteira do Líbano com a Síria fugindo do conflito entre Israel e o Hezbollah. De acordo com informações divulgadas nesta sexta-feira (27/09) pela Agência das Nações Unidas para Refugiados (Acnur), a maioria dos refugiados são sírios que haviam fugido da guerra civil em seu país de origem.

Diversos pontos de passagem estão sendo abertos para permitir a transição de sírios e libaneses, que têm sido autorizados a entrar na Síria por um período indeterminado e sem necessidade de apresentarem documentos que normalmente são exigidos.

Representante da Acnur na Síria, Gonzalo Vargas LLosa, que está na fronteira, afirmou que metade de todos os que chegam são crianças, e o segundo maior grupo é de mulheres. Em termos de nacionalidade, no momento, 80% são sírios, e o restante, libaneses. Há também muitos feridos.

Llosa enfatizou que sírios e libaneses enfrentam “uma decisão extremamente difícil” antes de se dirigirem à fronteira, pois sabem que estão chegando a um país em profunda crise e em colapso econômico, resultado de treze anos de guerra civil.

“Eles estão indo de um país em guerra para um país que enfrenta uma guerra civil há 13 anos”, afirmou, durante uma coletiva de imprensa.

Devido às circunstâncias, no entanto, ele destacou a resposta humanitária síria em colaboração com a organização Crescente Vermelho Árabe Sírio e a Acnur. Ao chegarem, libaneses e sírios recebem necessidades básicas, incluindo água e comida, e são enviados para centros de recepção.

Atualmente, o Líbano abriga cerca de 1,5 milhão de sírios que fugiram da guerra civil iniciada em 2011, quando protestos que começaram pacificamente em março daquele ano contra o governo do presidente, Bashar al Assad, resultaram numa guerra entre o regime e grupos rebeldes de oposição, deixando um saldo de quase 500 mil mortos em dez anos.

Dezenas de mortos, milhares de feridos

Até o momento, Israel tem rejeitado os apelos globais por um cessar-fogo com o Hezbollah e mantido os bombardeios que já mataram mais de 700 pessoas no Líbano desde segunda-feira. O número de feridos, conforme números divulgados pelo Ministério da Saúde libanês, passa de 5.000.

O chefe da Acnur, Filippo Grandi, declarou que o deslocamento em massa no Líbano tem sido “mais uma provação para as famílias que fugiram de anos de guerra civil na Síria (…) e agora estão sendo bombardeadas no país onde buscaram abrigo”.

“O Oriente Médio não pode arcar com uma nova crise de refugiados. Não podemos ter mais uma, forçando mais pessoas a abandonarem suas casas”, disse.

Espera, demora, engarrafamentos

Desde segunda-feira, quando Israel lançou sua maior ofensiva no conflito contra o Hezbollah em quase um ano, filas de carros e ônibus se estendem por vários quilômetros no Líbano em direção à fronteira com a Síria. Algumas famílias foram observadas fazendo o trajeto a pé.

Já em território sírio, as pessoas precisam esperar mais algumas horas para serem registradas por funcionários de fronteira, sobrecarregados, enquanto trabalhadores humanitários distribuem alimentos, água, colchões e cobertores.

Em um comunicado, a porta-voz da Acnur, Rula Amin, disse que “muitos precisam passar a noite ao ar livre esperando sua vez”.

Na cidade fronteiriça síria de Jdeidet Yabous, famílias foram avistadas na beira da estrada, usando malas como assentos, à espera de táxis, ônibus ou parentes para buscá-las. Muitos disseram ter passado oito ou nove horas no trânsito só para entrar na Síria.

Israel realiza novo ataque no Líbano

Nesta sexta-feira, Israel bombardeou Beirute, a capital do Líbano, em ação que pode ter sido o maior ataque desde o início do conflito com o grupo Hezbollah. Diversas explosões atingiram o sul da cidade e cobriram a área com uma densa fumaça.

As Forças Armadas de Israel argumentaram que a operação foi um “ataque de precisão” que tinha como alvo o chefe do grupo, Hassan Nasrallah, no quartel-general do Hezbollah, e que o local fica em meio a edifícios residenciais, como “estratégia do Hezbollah em utilizar a população libanesa como escudo”.

Ainda não há confirmação se Nasrallah foi atingido, mas, no início da madrugada de sábado, Israel divulgou que matou dois líderes do grupo após novos bombardeios.

O Hezbollah condenou as ações, argumentando que o ataque atingiu prédios residenciais, e acusou a comunidade internacional de ser conivente com Israel, numa clara alusão ao discurso proferido pelo primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, na Assembleia Geral da ONU, em Nova York.

O Irã também condenou a operação, conceituando o ataque israelense como “crime” que precisa de uma “punição adequada”. Abbas Araqchi, ministro do Exterior iraniano, acusou Israel de usar bombas “antibunker” no ataque – que penetram no solo – e disse que o Irã estará sempre ao lado do Líbano.

Netanyahu vaiado e aplaudido na ONU

Cerca de uma hora dos ataques perpetrados no Líbano, o primeiro-ministro de Israel discursou na Assembleia Geral da ONU, em Nova York. A fala de Netanyahu era uma das mais aguardadas entre os 193 líderes de países que compõem a organização.

Ao ser chamado, foi vaiado e aplaudido, e o presidente da sessão interveio, pedindo silêncio, enquanto dezenas de integrantes de delegações abandonaram o plenário.

Netanyahu disse que espera uma reconciliação histórica entre árabes e judeus, mas apontou que deve seguir com os bombardeios no Líbano, acusando o Hezbollah de atacar Israel há pelo menos duas décadas.

Ele também argumentou que Israel está apenas “defendendo [a si mesmo]” e o Ocidente “contra um inimigo comum”, referindo-se ao Irã.

gb (AP, Reuters, EFE, ots)