20/02/2025 - 7:47
A rede de supermercados St Marche, voltado à alta renda, entrou com pedido de tutela judicial na 1.ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais de São Paulo para renegociar dívidas que somam R$ 639 milhões. A tutela é um processo que antecede o pedido de recuperação judicial. Segundo analistas, o elevado nível de endividamento não é exclusivo da St Marche, mas afeta também outras redes de supermercados que tomaram crédito em 2020, quando a taxa Selic estava em 2%. Com juros atualmente em 13,25%, a situação se agravou para essas redes.
Além da escalada dos juros, as redes de varejo alimentar ainda enfrentam a redução do poder de compra dos consumidores com a alta da inflação, que inibe o consumo. Como o setor opera com margens baixas, entre 2% e 6%, as dívidas acabam ganhando peso no balanço final. “Essas margens não toleram muito endividamento, porque o comprometimento é imediato”, diz Amin Murad, sócio-fundador da Arm Gestão.
Em nota sobre o pedido de tutela judicial, o St Marche disse que “está avaliando alternativas para melhorar sua saúde financeira e seguir crescendo de forma sustentável” e informou que “segue operando normalmente”. A rede relata ainda que seu caixa ficou negativo em R$ 10 milhões em janeiro – foram R$ 94 milhões de faturamento no mês passado, com dívidas a pagar no período no valor de R$ 103 milhões. Sem a proteção judicial, a varejista diz que não conseguiria mais operar, pois toda sua receita seria destinada a pagar dívidas.
Em seu despacho, o juiz Jomar Juarez Amorim aceitou o pedido, suspendeu as execuções de dívidas da empresa por 60 dias, mas antecipou que esse prazo não será prorrogado.
O St Marche diz também que teve dificuldades em evitar que o fundo Alternative Assets, do BTG, declarasse o vencimento antecipado de debêntures. Houve ainda descumprimento de chamado “covenant” (compromissos de contratos que servem para proteger os credores) financeiro assumido pelo grupo com o Alternative Assets I, também do BTG, que desencadearia a “iminente declaração de vencimento antecipado” de R$ 275 milhões, garantidos pelas ações da holding do grupo varejista.
Diante desse quadro, a rede varejista diz estar enfrentando “severa crise financeira, em especial em virtude da situação macroeconômica do Brasil e os sucessivos aumentos da taxa de juros, que hoje é refletida no relevante endividamento” do grupo, conforme a petição inicial, de 41 páginas, obtida pelo Estadão/Broadcast.
Origem das dívidas
Para fazer frente a uma fase de “franco” crescimento do varejo no período da pandemia, a rede de supermercados diz ter investido R$ 120 milhões para acelerar a abertura de novas lojas. O número de unidades saltou de 21 para 33, entre meados de 2021 e agosto de 2023 (mais informações na página ao lado).
Um dos caminhos para financiar essa expansão era a abertura de capital na Bolsa, processo iniciado em 2021, mas interrompido pela mudança do cenário da economia, com a elevação dos juros.
Sem conseguir levantar os recursos por meio da oferta de ações (IPO, na sigla em inglês), a empresa recorreu a linhas de financiamento com bancos e à emissão de dívida para investidores. Com o avanço na taxa de juros, as obrigações contratadas ficaram mais pesadas e impactaram a saúde financeira do grupo.
Para piorar, o aumento dos custos financeiros se deu num período em que as novas lojas ainda não haviam alcançado a maturidade. A varejista estima que as novas unidades só contribuirão positivamente para os resultados em 2027.
Rodrigo Gallegos, sócio da consultoria RGF, observa que o setor de varejo alimentar também vinha esperando resultados mais positivos, o que não se concretizou nos últimos anos. “Temos visto que o setor passa por uma redução do consumo por causa da inflação. Os clientes acabaram consumindo um pouco menos e as empresas estavam prevendo um consumo um pouco maior, o que acaba afetando o resultado direto esperado”, diz.
O diretor de operações da Gouvêa Ecosystem, Eduardo Yamashita, afirma que o varejo alimentar passa globalmente por uma fase de transformação, enfrentando o problema da inflação de preços e buscando maximizar a eficiência operacional. O especialista cita que o consumo tem mudado, com mais famílias indo a atacarejos à procura de preços mais baixos e com o aumento das lojas de proximidade, como a Oxxo, que também competem com os supermercados.
“Essa pressão que vemos no varejo alimentar deriva muito mais do aperto no orçamento familiar e de uma mudança do hábito do consumidor”, diz.
Antes de entrar na Justiça, a rede de supermercados abriu, no último domingo, procedimento de mediação na Câmara Especial de Resolução de Conflitos Empresariais, para renegociação das dívidas com os credores financeiros.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.