08/08/2016 - 0:00
Um recente trabalho realizado pela BBC Brasil traçou o perfil do seleto grupo pertencente ao 1% dos mais ricos em nosso País, aqueles que absorvem a maior parte do PIB brasileiro. O resultado, apresentado em uma série de reportagens, não surpreendeu em nada os analistas dos indicadores sociais e raciais brasileiros.
Neste seleto clube, a presença de negros é de 17,4%, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), classificação usada pelo órgão para os que se autodeclaram pretos e pardos. Muito aquém de sua representatividade na sociedade, de 53,6%. Os percentuais restantes se referem a amarelos e indígenas. O 1% mais rico é formado por 79% de brancos.
Alguns institutos divergem do que é necessário para fazer parte deste seleto grupo. O Ipea, por exemplo, aponta que para ser admitido no clube, o sujeito tem de ter uma renda de, no mínimo, R$ 260.000,00 (duzentos e sessenta mil reais) líquido no ano.
As estatísticas seriam normais e esperadas – e até veríamos isso como um dado positivo analisando o histórico de vida, oportunidades de educação e condição social dos negros que, até pouco mais de um século eram escravizados, e que saíram de uma situação diferenciada dos outros grupos sociais que compõem a sociedade brasileira. Mas quando o estudo considera as trajetórias e o que fizeram esses negros para pertencer ao restrito grupo, podemos ver que sua ascensão e seu desenvolvimento econômico estão estritamente ligados ao mercado de trabalho e não a heranças ou qualquer outro mecanismos que boa parte dos milionários brasileiros tem à sua disposição.
A entrada, permanência e ascensão de negros do País ao 1% branco rico e desenvolvido passa essencialmente pela porta da admissão no mercado de trabalho. E essa porta tem um porteiro: o profissional da área de recursos humanos. O perfil de um dos entrevistados da BBC Brasil é a demonstração evidente deste quadro. A reportagem da BBC Brasil mostra a trajetória de Mônica Valéria Gonçalves, de 47 anos, servidora pública de um tribunal em Brasília. É casada com um juiz de direito branco. Portanto, faz parte do clube, evidenciando que boa parte dos que conseguiram a ascensão teve a oportunidade de trabalho não necessariamente passando pelo crivo de um recrutador e sim por meio de um concurso público.
Outro caso de negros que integram o 1% mais rico do Brasil é o de Cesar Chagas Santos de 50 anos. Empresário de origem humilde, pós-graduado em engenharia ambiental, conseguiu fazer fortuna com seu espírito empreendedor – é dono de uma empresa que vende resíduos recicláveis para a indústria. Mesmo assim, já foi confundido com um manobrista em um evento no luxuoso hotel Copacabana Palace. Isso nos leva a crer que não há dúvidas que o desenvolvimento econômico dos afro-brasileiros em geral não tem passado pelo mercado formal do trabalho, quando se considera as oportunidades dos grandes salários.
Num País com população de 206 milhões de habitantes, em que os negros são mais da metade desse total, ter apenas 1,4 milhão de negros afortunados mostra um desiquilíbrio estrutural na sociedade brasileira – não só econômico, mas racial. A boa notícia vem dos indicadores dos últimos anos que tem demonstrado que em 10 anos o grupo minoritário no clube dos afortunados passou de 12.,% para 17,4% em 2014.
Quando se analisa os números globais, os negros que ocupavam 2% dos bancos das universidades, há 15 anos, hoje ultrapassam os 20%. A evolução também se dá no mercado de trabalho. Hoje os negros ocupam boa parte das vagas de trainees e estagiários. Mas a admissão e promoção para cargos estratégicos ainda não ultrapassam os 5%, segundo pesquisa do Instituto Ethos nas 500 maiores empresas do Brasil. Atualmente, o negro também já é maioria entre os empreendedores no Brasil.
De olho nesses dados, várias empresas como Coca-Cola, Bayer, Itaú, Grupo Carrefour Brasil, Casas Bahia, Commis, Google, Microsoft, entre outras, tem se preocupado em desenvolver políticas inclusivas dentro de suas organizações – seja na área racial, de gênero ou social -, dando ênfase numa maior inclusão nos seus quadros profissionais.
Porém, ainda há um longo caminho a ser percorrido em nosso País. O setor público saiu na frente. Hoje leis que reservam cotas raciais no serviço público estão em evidência, inclusive no Judiciário. Cabe à iniciativa privada acompanhar esse movimento de forma livre organizativa e, principalmente, social.