04/07/2018 - 11:16
Já pensou em um jantar preparado exclusivamente para você em uma impressora 3D? Antes de “imprimir” o prato, um sistema de Inteligência Artificial cruza diversos dados coletados a partir da análise do seu DNA, dos seus wearables – como óculos que medem seu nível de açúcar no sangue – e de outros exames de saúde associados ao seu estilo de vida para identificar quais vitaminas e outros componentes seu organismo está carente e, com isso, “cozinhar” uma receita personalizada para suprir suas necessidades nutricionais evitando ingredientes desaconselhados à sua saúde.
Tem mais. Considerando que não haverá carne bovina para suprir o aumento da demanda mundial por alimentos, você aceitaria um hambúrguer feito em laboratório com ‘carne artificial ecológica’ ou, quem sabe, preparado com insetos ou algas marinhas? E que tal substituir seu delicioso linguado por uma saborosa porção de água viva? E se pudesse ir a um fast food com uma cozinha totalmente robotizada e com um cardápio interativo que permite milhões de combinações de ingredientes?
Sua fome não perde por esperar.
Vitaminada pela Inteligência Artificial e pela robótica, o jornal The Independent fez um exercício de futurologia sobre como sua cozinha irá se transformar completamente. Seus eletrodomésticos estarão conectados e farão recomendações do que comer com base na sua dieta e dos ingredientes disponíveis na dispensa ou na geladeira. O forno será programado para preparar as refeições e te mandará uma mensagem no celular, usando bots, assim que estiverem prontas. Bastará informar ao seu fogão o que deseja comer no dia seguinte e ele já irá encomendar no supermercado mais próximo os ingredientes necessários, que chegarão em casa em tempo para serem preparados. Uma frigideira inteligente irá te alertar quando deve baixar o fogo para não queimar seu almoço.
Com um grande apetite pelas inúmeras oportunidades que irão surgir nas próximas décadas relacionadas com a comida do futuro, as foodtechs estão entre as novas estrelas ascendentes no mercado global de tecnologia (a previsão da Research and Markets é de um mercado global de US$ 250,4 bilhões até 2022) e já atraíram investimentos de figuras como Bill Gates e Richard Branson, que se envolveram com empresas de “criação de carne em laboratório”, uma invenção aparentemente pouco palatável, mas que talvez venha solucionar o velho desafio de reduzir a subnutrição, especialmente nos países menos desenvolvidos.
O prognóstico de crescimento populacional para os próximos 30 anos indica que seremos 9,6 bilhões de habitantes no planeta até 2050. A expectativa da Food and Agricultural Organization das Nações Unidas é de que precisaremos aumentar a produção mundial de alimentos em 70%, o que exigiria dobrar o desmatamento e levaria, por conta da pecuária, a um crescimento de 77% na emissão de gases geradores do efeito estufa.
Como bem pontuou Bill Gates em seu blog, “produzir carne exige muita terra e consome muita água, o que gera um impacto ambiental substancial. Não há como fabricarmos carne suficiente para alimentar 9 bilhões de pessoas e não podemos pedir que todos se tornem vegetarianos. Precisamos de mais opções para produzir carne sem exterminar nossos recursos naturais”.
O fundador da Microsoft tem toda razão.
São necessários 38 pounds (17,27Kg) de ração para produzir 1 pound (0,45kg) de carne. Para esta mesma quantidade é preciso 1,799 galões (6.800 litros) de água. Para colocar na prateleira do mercado 1kg de carne o pecuarista ocupa 150m2 de terra. A carne de laboratório utiliza 100 vezes menos terra e 5,5 vezes menos água, o que, por si só, já justifica o interesse de notáveis como Gates e Branson. Ela é fabricada a partir da biópsia de um músculo animal que é utilizado como base para um processo de reprodução de células da mesma forma que elas crescem num organismo vivo. A fórmula inclui uma mistura de açúcares, aminoácidos, vitaminas e minerais.
Outro caminho está na substituição da carne por vegetais, como no hambúrguer inventado pela Impossible Foods, que, podem salivar, tem o mesmo aspecto do tradicional (até mesmo sangra!). Se quiser experimentar, sugiro uma visita ao Unami, em Los Angeles, onde é possível saborear o famoso “The Impossible Burger”. Tive a oportunidade de comer este sanduíche e posso antecipar que o sabor não é exatamente o mesmo, mas a experiência e a aparência são praticamente idênticas.
A Beyond Meat, que também tem Bill Gates e outras estrelas como investidores, entre eles Don Thompson, ex-CEO do McDonald’s; Biz Stone e Evan Williams, fundadores do Twitter; e o ator ativista Leonardo DiCaprio, é mais uma startup que já está degustando este mercado com a fabricação de hambúrgueres e salsichas saudáveis feitas com vegetais.
Outra empresa que vem se destacando na criação de alimentos inovadores é a Ikea, cujo foco está em transformar o fast food em refeições saudáveis, caso do “The Dogless Hotdog”, feito à base de cenouras secas, ketchup de beterraba e berry e outros ingredientes, sendo o mais revolucionário deles a spirulina, uma microalga verde com alto valor proteico. A empresa também oferece um crocante e delicioso (?) “Bug Burger”, que, além de beterraba e batata, leva uma larva de escaravelho na sua composição, e uma almondega feita com insetos, algas e carne de laboratório.
Bem menos aceitável, ao menos por enquanto, ao paladar ocidental, os insetos já são comuns na dieta asiática e africana e poderão ser disseminados mundialmente como alternativa proteica. Existem nada menos que 1,4 mil espécies que podem ser ingeridas com segurança pelos humanos, como já é comum na África, que integra lagartas e gafanhotos no cardápio cotidiano; ou no Japão, que prefere vespas; ou ainda na Tailândia, onde os grilos são uma iguaria.
Pesquisadores da Wageningen University, da Holanda, indicam que os insetos têm valor nutricional equivalente ao da carne e, claro, um custo bem menor de produção com considerável economia de água. John Chambers, que foi CEO da Cisco, é investidor e conselheiro da Aspire, uma startup baseada em Austin que está produzindo grilos em larga escala para serem introduzidos na dieta dos americanos.
Algas e águas marinhas também são uma alternativa sustentável em estudo e já presentes na mesa para responder aos desafios do futuro da alimentação. São mais de 10 mil variedades disponíveis na natureza e com sabores bem diferentes; para não dizer exóticos. Elas são fáceis de cultivar em larga escala, não precisando de água fresca, terra ou fertilizantes, e contêm muito minerais, grupos de vitaminas e proteínas. Por isso, não estranhe se começar a encontrar cada vez mais estas fontes marinhas nos menus do seu restaurante preferido.
A revolução em curso na produção de alimentos não passa apenas pela transformação e descoberta de novas fontes, mas também pela customização. É neste campo que atuam startups como a Habit, da Califórnia, que recorre à genética para desenhar a refeição ideal para cada cliente. A empresa encaminha um kit para coletar uma amostra de sangue e um questionário com vários indicadores, como peso, altura, circunferência da cintura, e hábitos de vida, como a prática de esportes. A partir desta análise, o cliente recebe um plano de dieta mais indicado ao seu perfil.
Nesta mesma linha está a israelense Nutrino, que alimenta uma plataforma de IA com os dados do cliente para também criar dietas personalizadas. Seu grande diferencial está no atendimento a diabéticos a partir de uma parceria feita com a Medtronic, fabricante de monitores de glicose e injeções de insulina que são sincronizados com o aplicativo da Nutrino para analisar os índices de açúcar e carboidratos e, a partir dos resultados, sugerir refeições adequadas para cada paciente.
Se imprimir comida pode soar estranho, saiba que já são muitas as iniciativas de empresas focadas no desenvolvimento da tecnologia, como a Natural Machines, que criou a FOODINI, uma impressora 3D capaz de fabricar alimentos em casa a partir de ingredientes frescos processados antes da impressão. Parece bem divertido poder criar receitas com cores e formatos que você quiser; com certeza a criançada vai adorar e não irá mais fazer cara feia na hora de comer.
Não menos impactante aos adeptos da alimentação saudável é o restaurante Spyce, fundado por 4 estudantes do MIT em sociedade com o chefe Daniel Boulud. O cliente é atendido em um quiosque interativo que oferece uma grande variedade de combinações para personalizar seu prato. Todos os ingredientes são coletados por máquinas e entregues a chefes-robôs, que preparam sua comida em 3 minutos (!) e as colocam em uma vasilha para te servir.
Outros restaurantes robotizados são o Zume Pizza, em Cupertino, na Califórnia, onde robôs auxiliam na elaboração das pizzas, e o Robot Restaurant, em Tóquio, que no lugar de ‘sushimen’ tem ‘sushirobots’.
Novos tempos, novos cardápios.
Seja lá qual for seu paladar, é bom começar a se acostumar a ter seu prato preparado por um robô ou a saborear um sanduíche de insetos. Afinal, você não vai querer passar fome apenas por paradigmas de alimentação. Ou vai?
(*) Omarson Costa é formado em Análise de Sistemas e Marketing, tem MBA e especialização em Direito em Telecomunicações. Em sua carreira, registra passagens em empresas de telecom, meios de pagamento e Internet