10/09/2019 - 7:00
O cientista político americano Christopher Garman, responsável pela área de Américas da Eurasia, uma consultoria internacional de avaliação de riscos, tem um retrospecto notável em suas previsões sobre o Brasil.
Em 2014, logo depois das eleições, Garman antecipou a formação de uma “tempestade perfeita” contra a presidente Dilma Rousseff, com a combinação de um governo com sustentação política limitada e baixa credibilidade perante o mercado, um escândalo de corrupção “já contratado”, como o petrolão, e um cenário econômico complicado no exterior. Deu no que deu.
Em maio de 2018, quando os principais analistas do País apostavam na repetição do embate entre o PSDB e o PT ou numa disputa entre o PSDB e o PDT de Ciro Gomes, ele acertou mais uma vez, ao afirmar que Jair Bolsonaro tinha grandes chances de chegar ao segundo turno.
Nesta entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, Garman diz que, ao contrário do que aconteceu nos últimos cinco anos, “agora é a economia que vai pautar a política”. Segundo ele, a “retórica belicosa” de Bolsonaro “não é o principal motivo” de retração dos investidores internacionais. Em sua visão, o que mais afeta hoje a percepção dos estrangeiros em relação ao Brasil é a lenta recuperação da economia.
O sr. mantém contato frequente com investidores, bancos e grandes empresas internacionais. Qual é a percepção deles em relação ao atual cenário político e econômico do Brasil?
Eu diria que tanto as empresas multinacionais como o mercado financeiro reconhecem que, diante da grave crise macroeconômica do País, com forte desequilíbrio fiscal, a reforma da Previdência era necessária para haver qualquer recuperação da economia. Passada essa etapa, que deve ser concluída até meados de outubro, com a aprovação da reforma pelo Senado, é claro que você tira um risco do horizonte. Mas a pergunta é: isso vai ser suficiente para voltar a atrair investimentos externos? A resposta provavelmente é não.
Por quê? O que impede a volta dos investimentos externos ao País?
O que atrapalha mais é que a economia não está se recuperando. A recuperação ainda é bem modesta. O investidor de fora vê com bons olhos a ampla agenda de reformas que a equipe econômica e o próprio Congresso estão articulando. Mas os detalhes dessas reformas ainda não foram apresentados e não se sabe a profundidade que elas terão. Então, há um reconhecimento de que o Brasil está tendo alguns avanços, mas com pouca clareza se essa agenda de reformas, que tem mais impacto na produtividade, vai levar a um crescimento mais robusto nos próximos anos.
Várias declarações do presidente Jair Bolsonaro tiveram grande repercussão no exterior. Que efeito isso tem nesse quadro?
Algumas coisas atrapalham, sim. Há uma visão desse governo muito ruim fora do Brasil, uma cobertura da imprensa que transmite todas as declarações polêmicas do presidente, embora o maior impacto em termos de reputação tenha sido com a crise na Amazônia. Acredito que essa retórica não é o principal motivo de os gringos não estarem vindo para o Brasil. O Brasil está menos atraente porque a recuperação está muito mais lenta do que as pessoas imaginavam no início do ano. Isso contamina tudo. Esse é o fator mais importante.
O sr. está dizendo que, apesar das reformas, há uma certa frustração lá fora em relação ao Brasil? É isso?
Essas reformas podem aumentar a produtividade, mas não são coisas de curto prazo. São reformas mais estruturantes, com efeitos de médio e longo prazos. Isso dificulta. Também não ajuda o fato de o Brasil estar entrando numa fase mais construtiva em termos de aprovação de reformas, num momento externo ruim, com a aversão ao risco aumentando por causa da guerra comercial entre os Estados Unidos e a China. Além disso, há uma preocupação com o desaquecimento em vários lugares – na Alemanha, na China e possivelmente nos Estados Unidos – e uma saída do mercado de ações. Hoje, o mercado financeiro olha para o Brasil e diz: “Bom, os preços já subiram bastante, já me queimei lá antes, o jogo não parece atraente agora”. É uma avaliação um pouco mais fria. O Brasil está pagando um preço por entrar nesse ciclo de reformas mais construtivas num cenário incerto, de desaquecimento global.
Como as privatizações e as concessões se encaixam nesse cenário? Os investidores externos não vão participar?
Acredito que esse cenário não atrapalha esse investidor. Há apetite externo para ativos que estão sendo colocados à venda. Há ativos bem atraentes. O Brasil é o principal mercado da América Latina e ninguém pode ficar fora do País. Por isso, as consultorias internacionais estão apostando pesado no Brasil. Talvez o preço seja um pouco menor, mas não acho que é um empecilho para essa agenda de privatização andar. É claro que, se isso tiver êxito, ajuda um pouco na melhora da percepção externa.
Para concluir, como o sr. vê as perspectivas do País daqui para a frente? O cenário atual deve mudar para melhor ou para pior?
Vai depender muito da economia. Se a gente olhar o que aconteceu no Brasil nos últimos cinco anos, a política é que pautou a economia. Grandes eventos políticos pautaram a economia. Agora, acredito que isso se inverteu. Então, para mim, o resultado da economia nos próximos 12 meses vai ter repercussões políticas bem importantes.
Que tipo de repercussão política o desempenho da economia pode ter?
Se a economia não se recuperar no ano que vem e o crescimento do PIB ficar abaixo de 1,5%, com o índice de desemprego em dois dígitos, a relação com o Congresso vai começar a piorar. Vai “bater” o pânico no Congresso, em decorrência dessa situação, e ele pode começar a tomar medidas ruins. Se a economia ficar patinando, o Congresso pode começar a pensar em aumentar o salário mínimo um pouquinho, flexibilizar o teto, esse tipo de coisa. Agora, se a economia crescer 2,2% no ano que vem e aumentar para 2,5% no ano seguinte, as lideranças no Congresso começam a ver que o retorno do ajuste e das reformas está vindo. Se isso acontecer, a percepção externa melhora, a agenda reformista continua e você consegue ter um ciclozinho virtuoso.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.