24/04/2020 - 14:53
Entre os principais avalistas do governo de Jair Bolsonaro, o ex-juiz da Lava Jato, Sérgio Moro, abandonou hoje (24) o barco do presidente da República. Moro, que foi ministro da Justiça por pouco mais de um ano e quatro meses, saiu do cargo atirando, e em uma coletiva sem tom de lamentações ou defesas – prática comum entre ministros que saem de seus respectivos cargos. De saída da Esplanada dos Ministérios, Moro deixou para trás um rastro para que se inicie investigações sobre a conduta de Bolsonaro no combate à corrupção.
O principal argumento de Moro para a saída do cargo envolve o nome do diretor da Polícia Federal (PF), Maurício Valeixo, braço direito do ministro da Justiça e escolhido a dedo por Moro no início do mandato. O objetivo do presidente seria, segundo as palavras de Moro, “ter alguém da PF para ligar direto”.
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A frase indica, sobre tudo, que Bolsonaro não acreditava que a interface feita por Moro sobre a condução da PF atendesse suas expectativas, e colocar alguém de confiança do presidente no mais alto posto da PF garantiria mais acesso à informações. Sejam elas sigilosas, privilegiadas ou relatórios comuns. Hoje (24), no Diário Oficial da União (DOU), a exoneração de Valeixo foi publicada com a assinatura eletrônica de Moro e Bolsoanro. A ex-ministro, entretanto, disse que não fez tal assinatura.
A fritura de Moro já vinha acontecendo por diversas frentes, primeiro porque o ex-ministro parecia não ter muita habilidade política para negociar com o Congresso, cenário em que a abertura para um ex-juiz conhecido por prender políticos não parecia um terreno muito amistoso, mas mais do que isso, fontes ligadas ao Ministério da Justiça garantem que havia forte pressão do presidente da República por mais informações sobre as investigações em curso sobre seus filhos Flávio, Carlos e Eduardo. “A pressão era grande. O presidente não pedia nada diretamente, mas era evidente que ele procurava formas de aliviar a situação para os filhos”, disse uma fonte sob condição de anonimato.
Os filhos do presidente estão, por motivos diferentes, na mira de investigações federais. Enquanto Flávio, o 01, é citado no caso das “rachadinhas” – prática ilegal de divisão de salário de funcionários de gabinetes, Carlos estaria em voga por conta da disseminação de fake news. Eduardo Bolsonaro, o 03, é alvo de investigação por ter sido funcionário fantasma, no período em que fazia faculdade no Rio de Janeiro, no gabinete de Roberto Jefferson, em Brasília. “O cerco começou a fechar e o presidente entendeu ser necessário buscar mais controle das investigações, ainda que essa prática seja inadmissível”, afirma o analista político Carlos Alberto Gonçalves, que ministra aulas de direito público no curso de Gestão de Políticas Públicas na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
Para o acadêmico, no pronunciamento de saída, o ministro apontou ao menos três casos de crime praticado por Bolsonaro, mas o mais grave fere um princípio cravado como Cláusula Pétrea da Constituição Federal de 1988: A isonomia dos Três Poderes. “Ao tentar interferir na Polícia Federal, o presidente rompe os limites do Poder Executivo”, diz Gonçalves.
Além da questão legal, Bolsonaro também acaba por se afastar de parte de seus apoiadores, já que uma de suas promessas era de dar “carta branca” a Moro.
“Nem o PT fez isso”
Em uma coletiva que durou pouco mais de 40 minutos, um dos pontos mais duro para o Clã Bolsonaro não envolveu práticas ilícitas, mas uma comparação com o PT. Ao explicar o tamanho do problema que era um presidente interferir na PF, o ex-juiz da Lava Jato e algoz do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que durante a gestão de Dilma Rousseff – período em que explodiu a Lava Jato – por virtude republicana ou pressão social, não houve qualquer tentativa de interferir da estrutura da PF.
Arlindo Oliveira Santana, ex-procurador público e conselheiro da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) acredita que Moro conseguiu, em uma tacada, se afastar da tempestade que se aproxima de Bolsonaro no que diz respeito à investigação de seus filhos, reeguer a imagem da Lava Jato – que estava praticamente nula nos últimos 15 meses – e ainda abrir espaço para entrar na campanha eleitoral em 2022 “O pior pesadelo de Bolsonaro aconteceu. Ele perdeu um dos maiores avalistas de seu governo e ganhou um opositor para a próxima eleição”, diz Santana.
Para amarrar os anseios de Moro, que registrou, muitas vezes, aprovação maior que a de Bolsonaro no período que ocupou o Ministério da Justiça, o ex-juíz deu a entender que sua vida pública não acaba aqui. “Sempre estarei à disposição do País”
Com essa frase e seu histórico de combatente contra corrupção, Moro centraliza nele, e não em Bolsonbaro ou no governador de São Paulo, João Doria, o reduto dos eleitores lavajatistas, e ainda sai do governo com informações privilegiadas sobre as condutas do clã. Nesse contexto, fortalece a imagem de Moro as notícias recentes envolvendo um aceno de Bolsonaro a nomes de políticos envolvidos em esquemas de corrupção como petrolão e mensalão, como Roberto Jefferson, Arthur Lira (Progressistas-AL) e Valdemar Costa.