Após uma década estacionada em torno dos 500 mil investidores pessoa física, a Bolsa brasileira rompeu a casa de 1 milhão de CPFs em julho do ano passado. Desde então, o número não parou de crescer e agora, durante a quarentena imposta pelo novo coronavírus, o movimento ganhou ainda mais força: apenas de março a julho, 900 mil novas contas foram abertas, levando o total para quase 3 milhões de investidores.

Brasil é o 22º país que mais atrai investimentos estrangeiros

Pandemia afeta investimentos estrangeiros diretos

O ingresso do brasileiro na B3 conseguiu compensar parte dos R$ 45 bilhões sacados pelos estrangeiros no mercado de capitais durante a pandemia. Foi também o aplicador local que ajudou a estancar a sangria das companhias abertas nos primeiros meses da crise e a recolocar o Ibovespa acima do patamar de 100 mil pontos. O índice chegou a perder 60% de seu valor entre março e abril.

A motivação principal para a avalanche de novos CPFs, apontam corretoras, gestores e a própria Bolsa, foi a queda na taxa básica de juros. No menor patamar histórico, a 2% ao ano, a Selic derrubou a rentabilidade das tradicionais aplicações de renda fixa, empurrando o brasileiro a tomar risco na busca de maior retorno. Mas há também uma alteração no perfil do investidor, cada vez mais jovem, com objetivos de longo prazo e, em boa parte, incentivado por grupos fechados de redes sociais e por influenciadores digitais, que concentram sua atuação principalmente no Twitter e no YouTube.

Nova cara

Segundo dados da B3, de 2016 para cá, o investidor pessoa física ampliou sua participação de 17% para 21% nos pregões, enquanto o estrangeiro reduziu a presença em dez pontos porcentuais no mesmo período, para atuais 46%. O restante é formado por investidores institucionais, como os fundos de pensão.

Hoje, seis em cada dez CPFs da Bolsa têm entre 16 e 45 anos, ante 21% há quatro anos. Uma faixa etária que já corresponde a quase um quarto (R$ 100 bilhões) dos R$ 382 bilhões sob custódia na B3. A cifra é seis vezes maior que a movimentada pelas pessoas físicas em 2016.

Muitos são novatos, não só na Bolsa, como nos investimentos. Pessoas como o analista de TI paulistano César Lauria, de 25 anos, que até o início da pandemia não tinha nem mesmo o hábito de guardar dinheiro. Quando se trancou em casa, em razão do isolamento social, encontrou tempo para pesquisar como gerenciar melhor as finanças e montou um plano de investimentos.

Nos últimos meses ele vem separando 30% do salário para aplicar em ações. “Eu vi que dava para guardar dinheiro e comecei a acompanhar alguns influenciadores na internet para pegar dica”, conta. “Já tenho mais de R$ 10 mil aplicados na Bolsa”, diz ele, que não encontrou dificuldades para dar as ordens de compra e venda pelo site da corretora e não leva em consideração reservar uma parte do dinheiro para opções mais conservadoras de renda fixa.

Redes sociais

Assim como Lauria, a engenheira de software Isadora Maceió, de 30 anos, começou a investir no mercado acionário nos últimos meses. “Já tive problemas com dívida. Há cinco anos, cancelei meu cartão e venho me organizando. Li muita coisa na imprensa e passei a seguir youtubers que falam sobre finanças, até que, em abril, fiz minhas primeiras compras diretas de ações.”

A engenheira afirma que pretende reservar 15% do salário em uma cesta de produtos diversificados, que incluem ações, fundos de ações e alguns produtos conservadores, como Letras de Crédito Imobiliário (LCI) e Letras de Crédito do Agronegócio (LCA). “Eu ainda não tive coragem de instalar um home broker para poder operar day trade (compra e venda diária), mas estou me informando sobre isso”, afirma.

Órfãos

Para o diretor de investimentos do Itaú, Cláudio Sanches, a série de cortes na Selic vem criando órfãos de CDBs e fundos DI, o que amplia a presença de cotistas em fundos de multimercados, fundos de ações e na compra direta de papéis de empresas.

“O perfil do cliente que está entrando na Bolsa agora é mais jovem e, claramente, não é do mais radical, que gosta de ficar comprando e vendendo ações ou operando day trade. Ele também é menos educado em investimentos, mas entende que a renda variável é uma opção atraente”, diz.

Responsável pela reestruturação da Bolsa no início dos anos 2000, o economista José Roberto Mendonça de Barros, da MB Associados, vê como positiva a chegada de novos investidores. “Não consigo ver isso como um problema. É na verdade, para isso que a Bolsa existe”, afirma.

O economista, no entanto, pondera sobre as chances reais de uma fuga de aplicadores no curto e médio prazo, na esteira da baixa expectativa de crescimento do Brasil neste e no próximo ano. “Esses mais de 2 milhões de investidores que entraram nos últimos tempos não foram ainda testados. Houve uma queda (na Bolsa) em março e abril, mas logo ela se recompôs e voltou para 100 mil pontos. A prova do pudim (se o investidor permanece ou sai) vem agora, a partir de setembro, com o início do discussão do Orçamento do governo federal para 2021”, diz.

“Bolsa não cresce sem melhora de Produto Interno Bruto e com governo que estoura os gastos. E, todas as vezes que a Bolsa sofre uma forte correção, quem paga a conta é o investidor pessoa física”, completa Mendonça de Barros.

Rede social vira espaço de ‘gurus’ em finança

Há quatro meses, o perfil do engenheiro Henrique Bredda se tornou o centro das atenções do FinTwit, nome informal que designa a comunidade do mercado financeiro presente na rede social.

Com 170 mil seguidores, ele se estabeleceu como uma espécie de ‘guru virtual’ entre os investidores da Avenida Faria Lima. Mas, nos meses de março e abril, os fundos administrados por sua gestora, a Alaska, com R$ 10 bilhões em ativos, derretiam 70% e o esforço de Bredda era o de afastar os boatos de que iria quebrar.

“Quem sempre me acompanhou no Twitter sabia já das minhas crenças e qual a minha estratégia de investimentos. Na verdade, eu uso o Twitter para isso mesmo, para deixar claro o que eu penso e para ninguém nunca ser pego de surpresa com momentos de queda como o que ocorreu”, conta o gestor, que desde 2018 mantém o perfil com posts diários – onde, além de falar de investimentos, comenta sobre cenários econômicos.

O FinTwit, ou #FinTwit, é oriundo das iniciais de Financial Twitter, um movimento nascido nos Estados Unidos e que, também aqui no Brasil, vem se popularizando desde 2018 e crescendo com o número de novos investidores na Bolsa.

Ali, quase não há espaço para outro assunto a não ser ações e produtos derivados do mercado de capital. “Ninguém fala sobre renda fixa no Twitter”, afirma Roberto Indech, estrategista-chefe da Clear Corretora, braço da XP Investimentos para o mercado de renda variável.

O que nasceu como nicho, um clube entre gestores e analistas, hoje atrai também pessoas que começam a dar os primeiros passos no mercado financeiro.

O estudante de administração Yan Rodrigues, de 25 anos, passou a recorrer ao Twitter desde que o Banco Central deu início ao ciclo de queda da taxa de juros – em julho do ano passado, quando a Selic estava em 6,5% ao ano. “Gosto de acompanhar links de vídeos e pesquisar muito material. Gosto particularmente de um professor que tem muita experiência de Bolsa e é sensacional. Ele fez com que eu entendesse o mercado financeiro e aprendesse a olhar os indicadores certos”, diz.

Para o professor de canais digitais da ESPM, Alexandre Bessa, a escolha da comunidade de investidores pelo Twitter deriva da rapidez da rede social, que se baseia em mensagens concisas e diretas – como as ordens de venda e compra de ações dos traders profissionais. “Funciona quase como uma rede com manchetes de notícias para tomadas de decisão”, afirma.

Segundo estudo interno da rede social, somente nos meses de janeiro a abril deste ano, foram 2,6 milhões de postagens sobre finanças relacionadas ao Brasil, um crescimento de 84% em relação ao mesmo período de 2019. Dos usuários da plataforma no País, 20% têm investimentos em títulos ou ações.

Vídeos

Para além do Twitter, o negócio de aconselhamento e educação financeira para jovens aprendizes de investidores se mostrou eficiente e rentável também no YouTube. Gestoras de fundos, como a Novus Capital, ou corretoras, como a Necton, têm investido na rede de vídeos para fixar suas marcas entre os novos investidores.

Apesar de não gostar do rótulo de influenciador, Luiz Eduardo Portela, da Novus, faz vídeos semanais falando de investimentos e educação financeira. André Perfeito, economista-chefe da Necton, realiza lives quase diárias, entrevistando políticos com cargos de liderança e integrantes da equipe econômica do governo federal.

“Nossa gestora nasceu digital para falar com esse novo público”, diz Portela. as quem puxa a fila dos influenciadores no YouTube não é um economista, mas a empresária Nathalia Arcuri, do Canal Me Poupe. A ex-jornalista, que tem 5,3 milhões de seguidores e faturou R$ 20 milhões em 2019, dá dicas de finanças pessoais.

Neste ano, ela projeta R$ 45 milhões de receita, dinheiro que será engrossado pela recente demanda por cursos sobre investimentos.

“Já temos cursos de independência financeira e, agora, com a procura para entender ações, vamos fazer um de renda variável”, diz. Os cursos são gravados e custam cerca de R$ 2 mil.

CVM monitora a atuação de influenciadores

A explosão de influenciadores em finanças na internet, de dentro e de fora do mercado de capitais, tem chamados a atenção da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e do Ministério Público Federal. Os órgãos investigam práticas que vão de possíveis crimes de manipulação de preços até exercício irregular da atividade de análise de ações por parte de alguns perfis.

“A CVM e o MPF têm empregado filtros que colhem nas redes sociais dados para investigar pessoas que usam de sua posição junto à audiência para práticas não permitidas, como manipulação de mercado. A gente pode não ter visto ainda nenhum caso muito rumoroso, mas está acontecendo”, afirma o advogado e ex-presidente da CVM Marcelo Trindade.

Casos de manipulação de preço podem ocorrer quando um influenciador recomenda a compra e a venda de determinada ação com o objetivo de ele próprio lucrar depois com a operação.

“Existe muita coisa boa, agora também existe muita coisa duvidosa, com gente que faz recomendação de ações sem credencial para isso”, diz Bernardo Pascowitch, dono do buscador de investimento Yubb.

“As pessoas querem recomendações de investimentos, mas eu sempre tomei cuidado para falar de educação financeira, que é outra coisa”, diz Natália Arcuri, do Canal Me Poupe.

‘Pego dicas com amigos e na web’

Há cinco anos, a engenheira de software Isadora Maceió estava endividada, principalmente pelo uso excessivo de compras com cartão de crédito. Desde então, ela cancelou o cartão e passou a guardar dinheiro para realizar compras à vista. No final do ano passado, já sem dívidas, começou a guardar dinheiro. Até que no início da quarentena passou a se informar para investir o valor que mantinha na caderneta de poupança. “Eu pego muitas dicas com meus amigos economistas e bancários e passei a seguir alguns perfis com que me identifiquei no YouTube. É assim que defino os investimentos que vou fazer e os papéis que vou comprar.”

‘Comprei R$ 2 mil em ações’

As quedas consecutivas da taxa Selic foram determinantes para Pietro Corletto, de 23 anos, começar a investir em ações na Bolsa de Valores. O estudante de Economia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), que investia em CDB e no Tesouro Direto, começou a estudar sobre renda variável e a conversar com amigos com experiência prática na área. Ele procurou uma corretora de investimentos e iniciou com um aporte de R$ 2 mil. “Eu investi pouco, mas, para a minha realidade, é bastante dinheiro”, diz. Por segurança, o estudante ainda mantém uma reserva em renda fixa aplicada no Tesouro Direto.

‘Paguei dívidas da família com lucro’

O estudante de Administração Yan Rodrigues entrou no mercado de capitais motivado pelo ciclo de queda da taxa básica de juros, a Selic. No início, chegou a se aventurar com técnicas de day trade, mas desistiu depois de alguns meses porque perdeu mais dinheiro do que havia previsto, cerca de R$ 2 mil.

“Como todo mundo, eu comecei ganhando, mas depois percebi que estava perdendo mais do que podia e que não tinha conhecimento suficiente.” Com o rendimento dos investimentos, ele procura ajudar a família. “Já consegui quitar dívidas da família relacionadas a contas de telefone, financiamento do imóvel e IPTU.”

‘Sou viciado no Twitter’

Engenheiro civil, Sérgio Schreirer acompanha as redes sociais e perfis de analistas de investimentos para entender o mercado e escolher as operações que vai fazer na Bolsa. “Eu sou viciado no Twitter. Uso a rede para me manter informado o tempo todo”, afirma ele, que gosta de operações de day trade, mas recomenda cautela com os influenciadores.

“Nós estamos em um mercado em que o cara é o guru de investimentos, que diz que acerta tudo, mas nunca vamos ter uma unanimidade. Eu tento pegar essas informações nas redes sociais para me ajudar, e não para viver em função delas, do que escrevem lá.”

‘Não quero deixar o dinheiro parado’

O estudante de Direito João Paulo Pujol, de 23 anos, comprou ações na Bolsa de Valores há cerca de um mês. “Estudei a respeito e percebi que, depois de um tempo, a renda variável é melhor que a renda fixa. Não posso deixar o dinheiro parado”, diz.

Ele comprou um curso sobre o tema e também assistiu a vídeos gratuitos. “Confesso que me arrependi de ter comprado o curso porque o conteúdo era muito parecido com o do YouTube.” Para escolher os investimentos mais adequados aos seus objetivos, ele fez algumas análises sobre as empresas. “Li o gráfico de cotação de longo prazo e também levei em conta os dividendos”, afirma ele.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.