25/02/2023 - 8:22
René Descartes, considerado o pai da filosofia moderna, com todo mérito, publica pela primeira vez em 1637 O discurso sobre o método. Trata-se na verdade de um prefácio de três tratados científicos. A obra é reconhecida universalmente como um marco fundamental no processo de constituição da ciência moderna.
Descartes era na verdade um grande inovador. Pode-se considerar o seu projeto filosófico uma defesa do novo modelo de ciência que emergia no mundo em sua época contra as concepções filosóficas e religiosas em vigor ao final da idade média.
Cedo ele percebeu que o pensamento transformador e inovativo deveria vir de fora do seu ecossistema, da ciência tradicional em que estava imerso, passando a buscar inspiração em lugares absolutamente novos. Ele inicia a obra dizendo:
“…decidindo-me a não procurar mais outra ciência, a não ser aquela que poderia encontrar em mim mesmo, ou então no grande livro do mundo, empreguei o restante de minha juventude em viajar, em ver as cortes e os exércitos, em frequentar pessoas de diferentes humores e condições, em recolher diversas experiências, em expor-me a mim mesmo aos conflitos que a fortuna me propunha e em fazer, em toda parte, tal reflexão sobre as coisas que se me apresentavam, para que delas pudesse tirar algum proveito.”
Descartes simplesmente descobriu a essência da inovação disruptiva, isto é, buscar o novo através de nossa capacidade de fazer associações entre as mais diversas áreas, experiências e visões de mundo. Trata-se, portanto, de romper nossas barreiras associativas impregnadas em nossa maneira de pensar por anos, através dos mais variados vieses cógnitos.
Em seu magnifico livro O efeito Medici, publicado em 2008, Frans Johansson explora a linha básica que é o propulsor da inovação: a interseção de ideias. Neste best seller, ele enfatiza como indivíduos, times e corporações podem desenvolver ideias inovadoras, tendo como fundamento a interseção dos mais diversos campos de conhecimentos, diferentes culturas e visões de mundo. Também chamado de “Intuição Estratégica”, a nossa capacidade de associar e combinar conhecimentos diversos e díspares acaba por formar uma multiplicidade de ideias novas. Ele denomina o ponto onde diferentes campos do conhecimento se encontram de “Interseção”, e atribui à esta intersecção a existência das grandes inovações transformacionais ao longo de nossa história.
O autor utilizou a família Medici, administradores, banqueiros e mecenas em Florença do século XIV, como exemplo de incentivo ao desenvolvimento de interconexões. Através de incentivos e financiamentos à escritores, escultores, filósofos, investidores, pintores, poetas e arquitetos, entre outros talentos, das mais diversas regiões, culturas e orientações, conseguiram criar um ambiente cultural extremamente diverso capaz de romper todas as barreiras associativas da época, dando origem a um mundo de ideias absolutamente novo e tão transformador que acabou desaguando no processo conhecido como o “Renascimento”. Não foi à toa que o Renascimento aconteceu em Florença, naquele momento.
Romper nossas barreiras associativas, isto é, ampliar nossa capacidade de acessar diferentes conhecimentos provenientes das mais variadas fontes e produzir um insight, uma ideia nova, exige uma mudança radical na maneira como exploramos, entendemos e nos relacionamos com culturas, tendências e comportamentos completamente diferentes daqueles que estamos acostumados. Exige também um repensar na maneira de como aprendemos e como descontruímos nossos pré-conceitos.
Scrum, Squads, ambiente descontraído, centenas de Devs, não são capazes de gerar inovação real, se não desenvolvemos nossa capacidade de criarmos intersecções e associações poderosas. Para isto, é fundamental abraçarmos a real diversidade e inclusão. Caso contrário faremos mais do mesmo, no máximo um pouco melhor. Já perceberam quantos bancos anunciam cashback como uma inovação?
Segundo o Grupo Medici, fundado e dirigido pelo autor do Efeito Medici, existe uma comprovada conexão intrínseca e muito forte entre a inovação e a real diversidade. Ampliar o nível da diversidade e inclusão no local de trabalho é apenas uma etapa do processo para liberar o potencial de inovação das organizações. É necessário também uma mudança mais profunda, capaz de criar um ambiente que promova o trabalho de times realmente diversos e inclusivos.
Diversas pesquisas apontam que times diversificados e inclusivos são capazes de gerar as ideias mais improváveis. Além disso, demonstram ser muito mais assertivos e rápidos na tomada de decisões e mais efetivos na execução e implementação.
Buscar novas perspectivas, não apostar somente no conhecimento vertical – excesso de expertise, criar um ambiente que ofereça realmente segurança e conforto psicológico aos colaboradores e humildade para ouvir e aprender dos lugares mais improváveis são componentes fundamentais para as empresas que realmente serão capazes de inovar.
René Descartes já sabia de tudo isto em 1637. Não iniciou sua obra sem buscar reaprender o que sabia a partir de culturas, pessoas e ambientes absolutamente novos. Quantas empresas nos dias de hoje, de fato conseguiram entender esta fórmula. Na verdade, a maioria delas nem sequer consegue ouvir e entender os seus clientes.