Na Argentina, embora maioria rejeite seu estilo político, muitos esperam que o presidente reduza ainda mais a inflação. Já no Brasil Lula está colocando em risco a estabilidade da moeda. Isso pode sair caro nas urnas.Há exatamente um ano, Javier Milei, um novato na política, assumiu o cargo de presidente da Argentina. O balanço político de Milei desde então chama a atenção: ele reduziu a inflação, saneou o orçamento público e começou a abolir ou alterar leis que são um fardo para a economia e para a vida cotidiana dos argentinos.

Muitos apostavam que o economista e anarcocapitalista durasse apenas alguns meses na Casa Rosada, mas o duro programa de austeridade e as reformas não prejudicaram a popularidade de Milei. Pelo contrário: o governo tem os mesmos índices de aprovação e rejeição da época da eleição, um ano atrás. Isso já é melhor do que os governos anteriores. Com a estabilidade cresce a confiança de que 2025 será melhor do que este ano.

A taxa de pobreza, que este ano aumentou 11 pontos percentuais, está começando a cair novamente. De acordo com estimativas da Faculdade de Economia da Universidade Torcuato de Tella, no final do ano ela estará abaixo do nível registrado quando Milei assumiu o cargo, há um ano.

Mas nada disso tornou Milei particularmente popular. Mais de dois terços dos argentinos rejeitam a agressividade e a vulgaridade de seus ataques a todos que não concordem 100% com ele. E muitos são contra os cortes de Milei nos sistemas de educação, saúde e aposentadoria. “Mas quase todos são da opinião de que a Argentina precisa de um recomeço”, diz o sociólogo Pablo Semán. E enquanto Milei estiver reduzindo a inflação, praticamente não há como atacá-lo politicamente.

O erro de Lula

E é exatamente nesse aspecto que o presidente Lula poderia aprender algo com Milei. Pois Lula está prestes a cometer o mesmo erro de sua sucessora e agora antecessora Dilma Rousseff: colocar em risco a estabilidade do real. Isso custou a Presidência à Dilma. No caso de Lula, o que está em risco é a governabilidade durante a segunda metade de seu mandato.

A inflação no Brasil está se aproximando de 5% ao mês. O Banco Central acaba de aumentar a taxa básica de juros para 12,25% e pretende mantê-la nesse patamar até meados do ano. A Selic pode chegar a 15% em 2025. Para efeito de comparação: o Banco Central Europeu acaba de reduzir sua taxa básica de juros para 3%.

Essa taxa de juros absurdamente alta – que quase ninguém fora do Brasil entende – é necessária para evitar a explosão da inflação. Isso ocorre porque o governo Lula está gastando muito mais dinheiro do que há nos cofres públicos. Ele está tomando dinheiro emprestado a altas taxas de juros, e a dívida está aumentando rapidamente: em 12 meses, a dívida pública subiu de 72% para 79% do Produto Interno Bruto (PIB). Isso é muito em um espaço de tempo muito curto.

Mesmo assim, Lula ainda não está convencido de que seu governo precisa montar um pacote de austeridade confiável para ganhar a confiança dos investidores. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, passou meses tentando fechar um pacote de austeridade – e aí, ao anunciar as medidas, Lula declarou a isenção de imposto de renda para todos os que ganham até R$ 5 mil por mês. Com esse simples anúncio, ele anulou, de uma só vez, o efeito de todas as medidas de austeridade do pacote.

Só que os eleitores não vão mais se lembrar de alguns reais a menos de impostos no dia da eleição – se é que eles pagam algum imposto. Mas eles certamente sentirão quando os preços subirem no supermercado ou no posto de gasolina.

Lula poderia aprender com Milei que as pessoas perdoam muita coisa em seus governos quando estes lhes proporcionam estabilidade. E que elas não gostam nem um pouco quando o governo reduz o poder de compra delas tolerando deliberadamente a inflação.

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Há mais de 30 anos o jornalista Alexander Busch é correspondente de América do Sul. Ele trabalha para o Handelsblatt e o jornal Neue Zürcher Zeitung. Nascido em 1963, cresceu na Venezuela e estudou economia e política em Colônia e em Buenos Aires. Busch vive e trabalha em Salvador. É autor de vários livros sobre o Brasil.

O texto reflete a opinião pessoal do autor, não necessariamente da DW.