Da mesma forma que todos são iguais perante a lei, mas alguns são mais iguais do que os outros, na crise econômica toda a indústria automobilística está perdendo, mas algumas marcas estão ganhando participação de mercado e outras estão perdendo enormes fatias do bolo. Semana passada, num encontro com um executivo de uma grande montadora, ele desabafou: “Ninguém mais dá bola para market share, precisamos vender sem prejuízo”. Pode até ser que a defesa estratégica de algumas posições mercadológicas não seja prioridade no auge da crise, mas o que está acontecendo hoje é sério e certamente terá reflexo na recomposição de forças da indústria automobilística brasileira. Vamos aos números.

Considerando só as vendas de automóveis de passeio em março, não existe surpresa com a liderança da General Motors, pois ela já liderava na mesma casa dos 16% em março de 2015. Entretanto, a Fiat desabou de um segundo lugar com 14,9% para quarto lugar (!) com apenas 10,6%. Um reflexo direto do envelhecimento do Palio Fire, que terá o reforço do novo subcompacto Mobi para turbinar as vendas da marca italiana a partir do dia 19 de abril. A Ford também caiu (de 11,5% para 9,7%) e ficou em quinto lugar. Ambas foram ultrapassadas pela Hyundai, que foi para terceiro, logo atrás da Volkswagen, que subiu para segundo. Mas a análise de um único mês nem sempre retrata a realidade, por isso vale a pena comparar o que aconteceu no primeiro trimestre de 2016 com o mesmo período de 2015.

E então vemos que a GM consolidou sua liderança, o que já motivou Detroit a mandar um recado para a filial brasileira: “A primeira posição está conquistada; agora basta vocês trabalharem para mantê-la”. Adversários da GM acusam a marca de exagerar nos descontos do Chevrolet Onix desde agosto do ano passado. O carro fabricado em Gravataí (RS) foi o mais vendido do País em 2015 e atualmente mantém a hegemonia do ranking, com 35.467 licenciamentos, seguido do Hyundai HB20, que emplacou 27.309 unidades. Mesmo tendo despencado 7,4 pontos percentuais no ranking de comerciais leves, a GM atualmente lidera a venda total de carros, picapes e furgões com 16,3%.

“Eu preferia estar em segundo lugar e ganhando dinheiro”, comenta um dos vice-presidentes da General Motors. De fato, os números são cruéis. Nessa altura do ano, em 2015, a então vice-líder Chevrolet tinha 17,3% do mercado, com 111,9 mil veículos vendidos. Hoje, com 16,3% e a liderança, a GM emplacou apenas 75,8 mil modelos Chevrolet.

Mas imagine então a situação da Fiat! De líder inconteste, com 19,4% de participação e 126,1 mil emplacamentos, a marca que revolucionou o mercado brasileiro – com os carros de quatro portas, o Uno Mille, as picapinhas com cabine estendida e cabine dupla – perdeu quase 4,4 pontos percentuais no trimestre e tem agora 15,1% do bolo. As vendas despencaram para 70,1 mil e a ampliação da fábrica de Betim (MG), que passou de 750 mil para 950 mil carros/ano, acabou sendo um investimento desnecessário, pois atualmente opera com 50% de sua capacidade.

A desaceleração da Fiat só não foi maior porque ela segue forte na liderança do mercado de comerciais leves (oscilou de 35,9% para 34,4%, enquanto a vice-líder Volks se manteve na casa de 19,7%). A picapinha Strada ostenta 56,3% em sua categoria e a recém-chegada Toro tem 14,2% da sua, numa largada espetacular que já a coloca como a terceira picape mais vendida do País, à frente da tradicional VW Saveiro e na cola da não menos reconhecida Toyota Hilux.

O comportamento de vendas do Mobi será determinante para recolocar a Fiat na liderança ou para entregar definitivamente o primeiro lugar para a Chevrolet. Com a crise política e econômica se agravando, a disputa por clientes tende a ser acirrada. Tanto que a Fiat desistiu de parar a produção do velho Palio Fire, mesmo com a chegada do Mobi, pois ele ainda garante cerca de 4 mil emplacamentos/mês nas vendas diretas para frotistas.

A Volkswagen, depois de um longo período no purgatório, tende a reagir. Além de roubar o segundo lugar da Fiat no mercado de automóveis de passeio, sua diferença diminuiu para apenas 1,5 ponto percentual (era de 3,2 pontos percentuais há um ano). A remodelação do Gol teve boa resposta do público e ele conseguiu ser o segundo carro de entrada mais comercializado em março, com 5,3 mil emplacamentos em 18 dias de venda. Se atingir 7 mil vendas/mês, como prevê a Volkswagen, o Gol chegará ao atual patamar do Ford Ka, o mais vendido de março em sua categoria.

Mas as coisas não andam fáceis para a Ford. Historicamente situada no grupo das quatro grandes, a montadora americana caiu para sexto lugar! Isso porque o mercado brasileiro se tornou muito mais competitivo e a perda de 1,5 ponto percentual foi suficiente para deixá-la atrás da Hyundai (subiu de 7,5% para 9,9%) e até da Toyota (foi de 6,3% para 8,9%). A Ford mostra certa inconsistência nas vendas diretas (locadoras, taxistas, frotistas, governos), pois passou de uma participação de 14,9% para 9, 1%.

Se é verdade que ninguém está dando bola para market share, não menos verdadeiro é o fato de que o pós-crise tende a favorecer quem se posicionar estrategicamente nesse momento conturbado. O consumidor está cada vez menos fiel, mas o mercado já está suficientemente maduro para não comprar apenas preço promocional – basta ver que carros atrasados têm ficado para trás e que novos conceitos trazidos pelo HB20, Honda HR-V e picape Toro estão sendo bem recebidos.

No primeiro trimestre do ano passado, a posição geral de veículos leves (carros, picapes e furgões) das quatro primeiras colocadas era consolidada e se manteve até dezembro. Só havia briga do quinto ao sétimo lugar (Hyundai, Renault e Toyota) e entre o novo e décimo (Nissan e Mitsubishi). Hoje, ao contrário, está tudo muito embolado. Temos briga pela liderança (Chevrolet e Fiat), pelo quarto lugar (Hyundai, Toyota e Ford), pelo sétimo (Renault e Honda) e pelo novo (Jeep e Nissan).

Façam suas apostas!