23/11/2015 - 0:00
O Brasil é tão importante para a Peugeot que o próprio Thierry Peugeot – um dos herdeiros da família – foi enviado para cá para fazer a implantação da marca, nos anos 1990. Mas o parisiense de 58 anos não é uma pessoa muito fácil de se lidar. Lembro de uma ocasião em que tive grande dificuldade para marcar uma reunião com Thierry Peugeot e acabei mandando um fax meio furibundo para ele (na época não existia e-mail). Finalmente ele me recebeu em seu escritório, mas foi ríspido:
– Na Volkswagen, por acaso, você fala com o Pierre-Alain de Smedt?
– Não – respondi. – Mas o senhor não é o De Smedt e a Peugeot não é a Volkswagen.
Anos depois, ele foi embora para a França, fazer parte do board da Peugeot, mas saiu do Brasil sob a acusação de ter “quebrado” concessionários da marca devido ao seu estilo agressivo e extremamente confiante. Finalmente, em 2014, ele deixou o conselho da empresa por não concordar que a Peugeot deveria seguir mundialmente a estratégia de negócios da chinesa Dongfeng (marca que adquiriu, junto com o governo francês, 14% das ações da empresa por 800 milhões de euros). Além disso, a injeção de 3 bilhões de euros colocou fim a dois séculos de reinado da família Peugeot na companhia que leva seu nome e é o braço mais forte da PSA Peugeot Citroën. Agora a família detém 14%, a Dongfeng tem 14% e o governo da França tem outros 14%. Entre os acionistas restantes, segundo o jornalista Fernando Calmon, a General Motors é dona de 7% das ações.
Fiz essa longa introdução para mostrar como é difícil mexer numa empresa familiar. Mas a Peugeot está renascendo das cinzas. Não apenas no mundo, mas também no Brasil. Depois de quase quebrar, quando teve prejuízos de 5 bilhões de euros em 2012 e de 2,3 bilhões de euros em 2013, o prejuízo caiu para menos de 1 bilhão de euros em 2014. Melhor: os primeiros seis meses deste ano apontam um lucro de 571 milhões de euros. No rastro da recuperação mundial, a Peugeot do Brasil também está se reconstruindo. Por enquanto, ela ainda opera no vermelho, mas a meta de abiscoitar 1,6% do mercado de automóveis e comerciais leves não parece ser difícil de atingir – afinal, ao contrário de algum tempo atrás, hoje a Peugeot está com bons produtos e, aparentemente, fazendo tudo certo.
Como mostrou o jornalista Ralphe Manzoni Jr. em seu blog “Bastidores das Empresas”, a Peugeot é a terceira marca que mais perdeu vendas de 2014 para 2015: nada menos que 35,4% (atrás apenas da Citroën, com 43,6%, e da Chery, com 38,2%). Segundo Sergio Davico, gerente geral de produto da Peugeot do Brasil, essa queda acentuada se deu não só pela crise econômica (que afetou quase todas as montadoras), mas também pela descontinuação do Peugeot 207, que era o carro de entrada do leão francês. Reposicionada como uma marca aspiracional e que oferece um conteúdo superior ao de seus concorrentes, a Peugeot está concluindo uma completa reformulação em sua rede de concessionários, passando de 140 para 118 pontos de venda (mas deve encerrar o ano com 120).
Mais importante do que ter melhorado o visual das lojas, o atendimento aos clientes e a assistência técnica, a Peugeot pode bater no peito e dizer que tem ótimos carros. A família Peugeot reúne atualmente o crossover 2008 (considerado o melhor da categoria por muitos especialistas), o hatch 208 (que substituiu o mal fadado 207), o compacto 308 (acabou de ser renovado e melhorado), o sedã 408 (idem), o 3008 (um crossover que os proprietários adoram), o conversível 308 CC (o mais barato do mercado) e o esportivo RCZ (um pérola na faixa de R$ 150.000).
Devido a essa renovação da linha, a Peugeot começa a quebrar um paradigma importante no Brasil: o de que seus carros desvalorizam demais. Pelo menos nas últimas pesquisas feitas pela revista Motor Show na Tabela Fipe, a desvalorização de alguns modelos tem sido incrivelmente baixa – especialmente a do Peugeot 2008. Nesse panorama, e desde 1º de outubro sob a direção geral de Ana Theresa Borsari, a Peugeot luta para voltar a ser metade do que já foi no Brasil, em termos de participação no mercado.
Hoje a Peugeot ocupa a 12ª posição no ranking, com 22.342 carros vendidos de janeiro a outubro, o que representa 1,1% de share. Para voltar a ter lucro, precisa conquistar 0,5% de um mercado que é disputado a tapa. Uma situação muito diferente de 2007 – a última temporada antes da desastrada ideia de lançar o modelo 207 dando a ele apenas o nome, mas mantendo a mesma mecânica do 206 (da geração anterior), como se o público brasileiro não fosse dar conta de que na Europa o carro havia mudado totalmente e aqui não.
Em 2007, num mercado muito menor, a Peugeot vendeu 78.642 carros e ocupou a sexta posição no ranking, com 3,4% de participação, atrás apenas da Honda e das quatro grandes (Fiat, Volkswagen, GM e Ford). Desse volume, nada menos que 39.103 vendas foram do modelo 206. Em 2008, entretanto, a Peugeot surgiu com dois 206 no mercado – o velho e o reformado. Não colou. E o leão de Thierry foi ultrapassado pela Renault. Em 2009, em plena crise mundial, o mercado conseguiu crescer 12,6%, mas a Peugeot manteve sua venda na casa de 79.000 carros/ano, como na temporada anterior, e sua participação no bolo caiu para 3%.
Finalmente, em 2010, o modelo206 foi descontinuado, mas o 207, sozinho, vendeu menos que a dobradinha 206/207 do ano anterior (39.845 contra 45.843). A Peugeot vendeu 11.000 carros a mais, chegando à casa das 90.000 unidades/ano, mas não foi suficiente para manter sua posição. Como o mercado cresceu 10,6%, ela caiu para o nono lugar (2,7%), sendo ultrapassada por Honda, Hyundai e Toyota. Depois disso as coisas pioraram até chegar às 40.500 unidades/ano em 2014, com 1,2% de share. E o modelo 207 foi aposentado por velhice, pois já nasceu idoso, com apenas 3.253 unidades vendidas no ano.
Agora é vida nova. O sonho de ter uma Peugeot disputando com Volkswagen, Fiat, GM e Ford as melhores posições de mercado acabaram. O bonde passou e a estratégia global da marca mudou. No Brasil, com os produtos premium que têm, resta à Peugeot vender pouco, mas enfim entregando dividendos aos seus acionistas. E (importantíssimo) dando lucro também aos concessionários, pois eles são, na verdade, a verdadeira cara do leão perante o consumidor.