11/05/2016 - 0:00
É bem conhecida a piada da galinha que faz uma proposta para o porco: “Vamos fazer uma omelete? Eu entro com os ovos e você com o bacon…” É exatamente assim que as grandes empresas têm tratado seus fornecedores nesse momento de crise no Brasil.
Prática antes apenas adotada por algumas multinacionais americanas, o padrão que tem predominado nas relações entre grandes empresas e seus fornecedores é o pagamento com prazos de 45 a 90 dias após a prestação do serviço ou entrega do produto. Com isso, transfere-se para a dita cadeia de valor o ônus financeiro da produção, que, na maioria dos casos, passa de mão em mão até estourar na força de trabalho.
Numa relação lógica e simples, melhora-se fortemente a gestão de caixa de quem tem recursos – que o remunera no mercado financeiro – e deteriora-se o caixa justamente de quem tem menos recursos, que acaba por recorrer aos bancos para financiar a produção.
Temos, então, uma equação perversa: o comprador ganha ao conquistar tempo para emprestar ao banco o dinheiro que antes ia mais rapidamente para as mãos do vendedor; o banco ganha ao intermediar o acesso ao capital; e o vendedor perde ao recorrer ao banco para financiar a própria produção, que será entregue ao comprador.
Pode-se dizer: “ah, mas pelo menos ele está vendendo…” Sim, mas seguramente sacrificando margem (que garante a saúde do negócio) e os ganhos de outros elos da cadeia, já que qualidade e preço competitivo são fatores inalteráveis nessa equação.
Mas, e aquela conversa de engajamento de stakeholders, parceria de longa duração e criação de valor compartilhado? Fica para quando a economia melhorar…
Essa mentalidade de “salve-se quem puder” ou “quem pode mais, chora menos” demonstra como ainda estamos distantes de ter coerência entre discurso e prática no mundo corporativo brasileiro e quanto o pensamento de curto prazo ainda impera na tomada de decisão dos gestores das empresas.
Essa postura, sempre unilateral, colocada como regra do jogo, do tipo é pegar ou largar, define a forma de relacionamento daqui para frente entre clientes e fornecedores e a qualidade do vínculo que se estabelece daqui para o futuro. Como cobrar fidelidade de quem não foi solidário na crise? Como propor prioridade no acesso à inovações tecnológicas?
Vale destacar que, desde quando os conceitos de responsabilidade corporativa se disseminaram, os fornecedores foram os últimos entre todos os públicos de relacionamento das grandes empresas a sentirem evoluções no tratamento, reflexo claro da arraigada mentalidade autoritária que prevalece nas áreas de suprimentos ou compras das empresas.
A acentuada fragilização dessas relações por conta da crise econômica deverá cobrar o seu preço no futuro. É sabido que quem consegue manter vínculos autênticos com trabalhadores, clientes e outros grupos durante os períodos de turbulência, alavanca negócios mais rapidamente no momento de retomada.
Do contrário, esse ganho momentâneo obtido com o repasse de custos a fornecedores gera, em verdade, uma cadeia de destruição de valor da qual nem as grandes empresas escaparão no futuro.