16/09/2019 - 16:03
A “guerra do hambúrguer” chegou ao mundo vegetal. Com apenas quatro dias de diferença, Bob’s (primeiro) e Burger King lançaram no mercado brasileiro as suas versões de sanduíches com hambúrgueres “à base de plantas com gosto de carne”. A batalha promete ser sangrenta – mesmo que o sangue, neste caso, seja de beterraba.
A rede carioca lançou o Tentador Zero Beef em 30 de agosto em lojas do Rio e de São Paulo. O produto foi desenvolvido especialmente para o Bob’s junto com a foodtech Fazenda Futuro – que em maio colocou nas prateleiras de alguns supermercados a sua versão de hambúrguer de carne vegetal. O processo de produção levou mais de um ano, de acordo com o diretor-geral do Bob’s, Antonio Detsi. “Estamos buscando alternativas e parcerias para esse mercado há muito tempo”, diz.
A marca está de olho em um público crescente que deixou – ou tenta deixar – de consumir carne vermelha e aqueles que querem, pelo menos, diminuir a frequência. Um mercado que deve abocanhar 10% da trilionária indústria frigorífica no mundo – algo em torno de US$ 140 bilhões nos próximos dez anos, de acordo com analistas do Barclays, banco de investimentos.
Números que, para Detsi, só devem aumentar. “Não se trata de moda. É um nicho. E a aceitação do nosso hambúrguer está sendo muito boa. Estamos com o produto em 150 restaurantes, e em breve vamos expandir para toda a rede”, diz, sem revelar a fatia de público que espera ver aderir ao hambúrguer de carne vegetal.
Concorrência
Depois de Estados Unidos e Suécia, o Brasil é o terceiro mercado de atuação do Burger King a ganhar um sanduíche de hambúrguer vegetal. Os dados corroboram a estratégia. Pesquisa Ibope divulgada em 2018 mostra que 14% dos brasileiros, ou 30 milhões de pessoas, se declaram vegetarianos. Outros 60% dos entrevistados afirmaram que consumiriam produtos veganos similares aos de origem animal se tivessem o mesmo preço.
“Hambúrgueres à base de planta são uma tendência global”, afirma o diretor de Marketing e Vendas do Burger King Brasil, Ariel Grunkraut. “Mas em pesquisas conduzidas com consumidores percebemos que o interesse e a disposição em comprar produtos à base de plantas no Brasil chega a ser maior do que em países como China, Estados Unidos e Inglaterra.”
O Rebel Whopper vendido aqui foi desenvolvido especialmente para o paladar brasileiro, processo que levou três meses e incluiu “desenvolvimento do hambúrguer, adaptações na linha de produção, planejamento e aquisição dos ingredientes”, segundo Grunkraut.
Lançado no dia 3, desde o dia 10 o sanduíche pode ser encontrado em 75 lojas Burger King. A ideia é que já a partir do mês que vem esteja em todos os estabelecimentos da marca no Estado de São Paulo e vá para o resto do País a partir de novembro.
Presidente da Sociedade Vegetariana Brasileira, Ricardo Laurino vê toda essa movimentação como positiva. Mais do que popularizar a ideia de um hambúrguer sem carne, diz, o produto à base de plantas deve mudar a percepção dos consumidores a respeito do vegetarianismo. “Deve fazer com que as pessoas vejam que é uma alimentação acessível e fácil de ser adotada”, afirma.
Ele, no entanto, acredita que o público-alvo das redes de fast-food devem ser as pessoas que comem carne, querem diminuir o consumo, mas não encontram opções atraentes para serem convencidas disso. “Esses hambúrgueres devem fazer com que elas saciem a vontade de comer carne sem abrir mão do sabor.”
Calorias
Feito de planta, no entanto, não quer dizer supersaudável. Ambos os sanduíches têm pouco menos calorias do que os similares com carne vermelha e quantidade de sódio próxima do que a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda para a ingestão diária.
“É um produto em evolução. Nos Estados Unidos, já está na quinta ou sexta geração. Estamos sempre ajustando questões técnicas, e os fornecedores também”, afirma Detsi, do Bob’s.
Ariel Grunkraut, do Burger King, diz que seu sanduíche ainda tem menos calorias e gorduras totais do que a versão “normal”.
Depoimentos
Ana Carolina Sacoman, jornalista do Estadão
“A ideia de um ‘hambúrguer de planta com gosto de carne’ simplesmente não entra na minha cabeça. Planta é planta, carne é carne, cada um no seu quadrado, simples assim. Até entendo os hambúrgueres de planta que se ‘assumem’ como tal, como os de ervilha e grão de bico. Mas querer imitar carne pra quê?
Isso esclarecido, resolvi provar os hambúrgueres de carne vegetal lançados por duas redes de fast-food. Não contente, eu, carnívora razoavelmente convicta, chamei uma ‘não comedora de carne vermelha’ para provar comigo (leia mais abaixo).
Começamos pelo Rebel Whooper, do Burger King. A aparência do sanduíche como um todo e do hambúrguer, particularmente, não é lá grande coisa. A própria rede tem lanches visualmente mais atrativos, na minha modesta opinião de ex-heavy user de fast-food.
Pão, queijo, alface, picles, cebola, maionese e ketchup pareciam estar ali para dar uma forcinha ao sabor das plantas. A primeira mordida foi de estranheza total. Parece ou não carne? Tem gosto de algo grelhado, mas com a textura um pouco macia demais. Nova mordida, o sabor fica melhor e mais parecido com um hambúrguer de carne – mas, ainda assim, industrializado.
Partimos então para o Tentador Zero Beef, do Bob’s. A aparência do sanduíche – e do hambúrguer – é ótima. O disco de carne vegetal vem bem grelhado, com boa cor e textura. Mas o sabor, para mim, ficou no meio do caminho entre planta, carne e algo indefinido. Vem com uma montanha de maionese, alface e tomate. O pão, um brioche, é bom.
Conclusão: Por enquanto, vou continuar apegada aos meus hambúrgueres de carne mesmo.”
Marta Cury Maia, jornalista do Estadão
“Tenho péssima relação com carne vermelha desde criança. Quanto mais suculenta, mais repulsa eu tinha. Meus pais insistiram bastante: deixavam o bife tostando ‘por horas’ até ficar com gosto de, digamos, nada. Uma das últimas carnes que deixei de comer definitivamente foi a em forma de hambúrguer. Gostava daquela combinação de queijo e molhos que os sanduíches com frango não conseguem reproduzir.
Fiquei animada então com a novidade da tal carne vegetal, mas preocupada na hora de testar: eu conseguiria comer se de fato tivesse gosto de carne?
A carne sozinha do lanche do Burger King não é extremamente saborosa – e não tem gosto de carne de verdade, nem textura (se desfaz facilmente), nem altura, o que é ótimo no meu caso. A combinação toda me agradou bastante. Tem até picles! Definitivamente consegui matar a minha saudade de hambúrguer.
O sanduíche do Bob’s é mais bem montado que o do concorrente. O hambúrguer tem altura e ‘cara’ de carne de verdade. Mas já comecei a me incomodar com o cheiro forte que, na primeira mordida, consegui explicar: é muito defumado. No final ainda amarga. E tem maionese em excesso.
Conclusão: As aparências, realmente, enganaram.”