09/02/2023 - 19:57
Ao menos sete polos de atendimento a indígenas estão fechados devido à insegurança causada pela ação de garimpeiros, revelou relatório da missão exploratória do Ministério da Saúde, ocorrida na segunda quinzena de janeiro, no território Yanomami. A demanda de pacientes que seriam atendidos por esses polos deságua e sobrecarrega o Polo-Base Surucucu, que tem dificuldade de fazer busca ativa pelo alto volume de serviço de urgência e emergência.
O Distrito Sanitário Especial Indígena Yanomami (DSEI-Y) atende pouco mais de 31 mil indígenas. Eles estão distribuídos em 31 Polos-Bases e se localizam em 379 aldeias.
No relatório, a pasta conta que a missão se deu após, em janeiro, haver denúncia de óbito de três crianças entre 24 e 27 de dezembro, em detrimento de “falha do serviço de transporte aéreo e impossibilidade de locomoção das crianças” para atendimento. O ministério decidiu fazer a vistoria nos Polos-Base de Surucucu e Xitei, consideradas “regiões prioritárias”, por causa da “proximidade com as comunidades que tiveram seus Polos-base e Unidades de saúde fechadas devido à insegurança do garimpo ilegal”.
Em nota publicada no site, a pasta destacou que, além da insegurança, “os principais problemas encontrados foram estruturas de atendimento em condições precárias, falta de profissionais e uma desassistência generalizada.”
Funcionários da saúde indígena, que atenderam o território Yanomami, já haviam relatado ao Estadão o medo dos invasores e dos nativos cooptados para trabalhar no garimpo, que têm armas de fogo. “Tem crianças armadas, tem adolescentes armados.” Na reserva, os profissionais da saúde, por medo, acabam também atendendo garimpeiros. Isso agrava a falta de remédios e a sobrecarga de trabalho.
Conforme mostrou o Estadão, grupos ligados à mineração ilegal dominam áreas dentro da reserva, incluindo pistas de pouso e até uma unidade de saúde. “Ocorre a troca de remédio por ouro”, afirma Junior Hekurari, do Conselho Distrital de Saúde Indígena (Condisi).
De acordo com o Ministério da Saúde, no território indígena Yanomami existem 31 polos-base e 37 UBSi (Unidades Básicas de Saúde Indígena). Quando o relatório menciona que não há equipes de saúde em algumas unidades, é porque não havia condições de os profissionais serem enviados de forma segura para essas áreas. Ainda de acordo com a pasta, foi solicitado o reforço na segurança, além das reformas estruturais para a reativação dos polos desativados.
Polo-Base Surucucu
O Polo-Base Surucucu assiste as comunidades indígenas pertencentes a Surucucu (aproximadamente 23 comunidades), Yaritobi, Maripe I e II, Tirey e Hocomau. A equipe de saúde é composta por dois médicos (que se revezam a cada 15 dias), dois enfermeiros (revezam a cada 30 dias), três técnicos de enfermagem, duas nutricionistas (revezam a cada 30 dias) e dez Agentes Indígenas de Saúde (AIS).
O relato dos profissionais, coletado pela comitiva do Ministério da Saúde, destaca que, embora as equipes não sejam preparadas em termos de formação, infraestrutura e insumos para os atendimentos de urgência e emergência, esses são os mais frequentemente realizados por ali.
De acordo com o relatório, a visita também revelou uma precária infraestrutura para alojamento e refeições dos profissionais e pacientes e acompanhantes, assim como para atendimento dos doentes. “Não há meios de comunicação, faltam insumos, equipamentos e mobiliários básicos para os atendimentos, além da ausência de acesso a saneamento (água potável, coleta de lixo).”
“Os trabalhadores se encontram também evidentemente em adoecimento de saúde mental, pela sobrecarga e precariedade que se encontram, além da falta de supervisão ou apoio para desenvolvimento das atividades”, conta o relatório.
O que diz a gestão anterior da saúde indígena
O Estadão buscou o ex-presidente Jair Bolsonaro e o ex-ministro da Saúde Marcelo Queiroga para que comentassem o relatório, mas não obteve resposta. A reportagem também buscou os responsáveis pela Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) e pelo Distrito Sanitário Especial Indígena Yanomami (DSEI-Y) durante o governo Bolsonaro.
O coronel Robson Santos da Silva, que comandou a Sesai de fevereiro de 2020 até abril de 2022, disse que “sem uma visão histórica dos fatos, não há uma compreensão da situação”. “As questões ali, infelizmente, são históricas. Mesmo com diversas medidas efetivadas pelo governo passado, desde a década de 1980 os problemas retornam.”
O coronel Rômulo Pinheiro de Freitas, que ocupou a coordenação do DSEI-Y de julho de 2020 a janeiro de 2022, não respondeu às mensagens. A reportagem não encontrou contato de Ramsés Almeida, que também comandou o DSEI-Y, nem do coronel da reserva do Exército Reginaldo Ramos Machado, que esteve à frente da Sesai.