09/11/2015 - 0:00
A mineradora Samarco foi reconhecida nos últimos 20 anos como uma das líderes em responsabilidade socioambiental no Brasil. Enfileirou prêmios, foi a primeira mineradora do mundo a ter a certificação ISO 14001 (de gestão ambiental) para todas as etapas de produção. Nada disso adiantou que, na quinta-feira 5 de novembro, fosse responsável por um dos maiores desastres ambientais e sociais recentes do País, cuja extensão ainda está longe de ser dimensionada.
O rompimento das duas barragens de rejeitos de mineração nos municípios de Mariana e Ouro Preto, que resultou na avalanche de milhões de toneladas de lama, tirou vidas, devastou o distrito de Bento Rodrigues, provocou destruição ambiental por mais de 100 quilômetros (e segue avançando), e ainda jogou por terra o trabalho de inúmeros profissionais sérios.
Sim, porque também há tragédia do lado da empresa. Especialmente, se reconhecermos que ali existem pessoas e não apenas um ente demoníaco e ganancioso. Resumir essa catástrofe à conclusão irrefutável e óbvia de que a empresa é culpada dá conforto imediato a muitas pessoas, mas não nos ajuda a entender toda a complexidade do problema.
Assim com a BP, que provocou o maior desastre ambiental dos EUA em 2010, a Samarco tinha inúmeros estudos e metodologias para a gestão de riscos de suas operações e forte reputação de excelência socioambiental.
Em levantamento do renomado Reputation Institute, em 2014, que incluiu 2.769 entrevistas com representantes de sete públicos, a Samarco alcançou o índice de 74,9 pontos numa escala de 0 a 100, o que a colocava no nível de benchmark para o setor de mineração. Em seu Relatório Anual, a empresa admitiu que permanecia como desafio estreitar os laços e fortalecer as relações de confiança com clientes e comunidades vizinhas.
O mesmo documento oficial da Samarco descreve a gestão ativa de riscos e informa que realizou pela primeira vez em 2014 seis simulados para testar a capacidade de resposta à crises.
Sobre a disposição de rejeitos, diz o relatório: “A análise e o controle de riscos são realizados por meio da metodologia Failure Modes and Effects Analysis (FMEA), que avalia o potencial de ocorrências e falhas nas barragens, bem como as consequências potenciais sobre a saúde e a segurança das pessoas e do meio ambiente… Sob a ótica da segurança de nossas operações, dispomos do Plano de Ações Emergenciais (PAE) das barragens, que aborda o funcionamento das estruturas de disposição de rejeito e possíveis anomalias ou situações de emergência. Com base nesse documento, que atende aos requisitos legais sobre gestão de barragens, aplicamos, em 2014, um total de 1.356 horas de treinamentos com os empregados envolvidos direta ou indiretamente nas atividades”.
Em outro trecho: “Mapeamos 18 riscos operacionais prioritários de segurança e seis riscos prioritários de saúde e definimos um programa de gerenciamento”. Depois de descrever vários investimentos na mitigação de riscos, finaliza: “Outras melhorias aguardam licenças e aspectos regulatórios para serem implantadas, como a construção do trevo da portaria principal de Ubu e o estacionamento externo da barragem, em Germano.”
Por que nada disso foi suficiente para evitar a tragédia?
Porque as empresas se iludem. Nosso conhecimento é majoritariamente formado por informações passadas ou presentes e, a cada dia, a previsão dos efeitos futuros de nossas atividades fica mais complexa e improvável. Assim, como todas essas ferramentas e metodologias são baseadas em melhores práticas criadas no passado, servem para gerar conforto a acionistas e outros stakeholders, mas não garantem segurança diante de operações de grande impacto.
A pressão por mais e mais produção, somada às incertezas ambientais e sociais, fazem com que cada dia sem acidente seja um dia mais próximo de um acontecimento inesperado. Esse dia chegou para a Samarco, depois de anos perseguindo produtividade, eficiência, e consequentemente estocando mais rejeitos.
Assim como a BP teve de pagar 18 bilhões de dólares em multas e indenizações nos Estados Unidos, a Samarco deverá arcar com um imenso custo para reparar os danos ambientais e sociais que gerou. É necessário, no entanto, repensar o modelo de negócios e os processos produtivos dela e de todo o setor de mineração.
Se ainda dependemos de minério para produzir bens necessários, uma empresa realmente responsável deve investir em pesquisa para extrair cada vez menos recursos naturais, eliminar processos que geram rejeitos e não se acomodar na mera melhoria contínua de modelos insustentáveis.
A tragédia de Mariana revela que os padrões atuais da responsabilidade social corporativa não são suficientes para proteger a sociedade. Precisamos de negócios que tenham processos e modelos de negócios que gerem impacto positivo, regenerem a natureza e compartilhem o valor produzido. Do contrário, lamentaremos muitas outras tragédias.